Há muitas semelhanças entre Joe Perry, do Aerosmith, e Slash, do Guns N´Roses. A saber:
Ambos são guitarristas geniais, compositores talentosos, se drogaram até o tutano dos ossos e também têm em comum o fato de terem uma paciência de Jó.
Porque somente sendo seres santificados para tolerar tudo que passaram em décadas com as verdadeiras “estrelas” de suas bandas: Steven Tyler e Axl Rose, respectivamente.
ROCKS
Essa é a impressão predominante que fica após ler “Rocks – Minha Vida Dentro e Fora do Aerosmith”, autobiografia de Perry escrita a quatro mãos com David Ritz (ed. Benvirá, 416 págs).
Assim como Slash, a tolerância de Perry com o egocentrismo e mesquinhez de Tyler parece não ter limites.
Segundo relatos de “Rocks”, o cantor pisa na bola com a banda a cada segundo: é fingido, mentiroso, tratante e ainda por cima é dado a furtos ocasionais.
Por exemplo, nos primórdios da banda, eles arrumam uma espécie de clube militar para tocar todas as semanas.
Duros, quebrados, iniciantes, o contrato bem que poderia tirar eles da merda por algum tempo, já que era um local fixo e com bom pagamento.
Mas lá vai Steven Tyler e um amigo cafajeste, que um belo dia entram no clube, veem um projetor, notam que não tem ninguém olhando, não resistem ao impulso e o roubam.
Eles foram, obviamente, dispensados.
JOE PEREIRA
O curioso é que Perry (cujo nome é uma corruptela ou contração de Pereira, pasmem) não conta essas histórias com um sentimento de autopiedade ou auto-indulgência, do tipo “coitadinho de mim”.
Pelo contrário, chega a ser exasperante em alguns momentos ver como o tempo todo ele defende as atitudes de Tyler, a quem considera até o fim seu “irmão de alma”.
Devem ser mesmo, mas haja saco para aguentar esse carma.
Detalhe: eu também li a biografia de Tyler (“O Barulho Na Minha Cabeça Te Incomoda?”, idem publicado pela ed. Benvirá) e são notáveis as diferenças estilísticas dos dois cérebros do Aerosmith.
Joe Perry tem um texto fluido, desapegado, contextualizado… enquanto você lê seu livro, você aprende alguma coisa sobre aquele período, aquele tempo, o impacto da beatlemania na América no final dos anos 60 e início dos 70.
Perry faz um relato confiável e cru da história da banda e de um período específico.
Do lado oposto, Tyler fica preso ao próprio narcisismo. Eu sou um gênio, quando eu compus isso, quando eu fiz aquilo eu sabia que seria um sucesso; eu sou muito fodão.
A biografia de Tyler é muito mais a história de seu próprio umbigo.
FRANK CONNELLY, O MAGO
O Aerosmith, na verdade, só existiu graças a um empresário visionário (e provavelmente ligado à máfia), Frank Connelly. Perry resgata sua importância –ao contrário de Tyler, que mal o cita.
Foi Connelly quem percebeu que aquele grupo de cabeludos desajustados era tão bom quanto as bandas importadas da Inglaterra.
Que, para Connelly, grosso modo, levavam para lá a influência que absorviam do blues e rock norte-americanos e a revendiam de volta aos EUA com outra roupagem e por um valor muito mais alto.
Perry também não omite nada sobre drogas, nas quais afundou ao lado da banda.
Mas, nesse ponto, sim, há muita indulgência. Ele e Tyler cheiravam heroína e cocaína como se não houvesse amanhã.
O livro também desnuda vários momentos curiosos e soturnos da banda, como quando Tyler recaiu pesadamente em heroína ou foi escolhido para ser jurado do “American Idol” sem ter ao menos lembrado de avisar antes aos colegas.
QUASE RECATADOS
Também é importante porque faz um raio X da relevante carreira solo de Perry, que nunca foi de ficar parado enquanto Tyler surtava ou se ausentava.
O que é curioso é que o Aerosmith nunca foi uma banda de exagerar com as groupies, por exemplo. Perry acahava que era a melhor forma de adquirir rapidamente uma gonorreia.
Quero dizer… claro que alguns integrantes gostavam de uma putariazinha pós-shows, mas não Perry –que sempre esteve envolvido com apenas uma mulher de cada vez. Está, inclusive, casado com a mesma há décadas.
De qualquer forma, “Rocks” é um livro honesto, necessário e indispensável para entender uma das maiores e mais criativas bandas de todos os tempos.
E, sem dúvida, provavelmente a melhor que já existiu em termos de apresentações ao vivo. Duvida? Ouça qualquer gravação ao vivo do Aerosmith e tire a prova.
Livro: “Rocks – Minha Vida Dentro E Fora do Aerosmith”
Autores: Joe Perry (com David Ritz)
Editora: Benvirá, 416 págs.)
Avaliação: Ótimo ????