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Entrevista: “Globo tentou me obrigar a pedir demissão”

Bruna diz ter sido pressionada pela Globo a pedir demissão

A repórter Bruna Gosling, que ganhou uma ação de mais de R$ 2 milhões contra a Globo, falou com este jornalista sobre o processo trabalhista

Ela trabalhou por quase 17 anos na emissora. Foi contratada como assistente de produção, mas acabou cobrindo até eventos como as Olimpíadas. Sem receber nada a mais.

Bruna foi contratada para o SporTV, em 2003.

Passou por vários cargos e, a despeito das muitas promoções, ganhava um salário de R$ 10.000 antes de deixar a emissora.

Bruna jamais foi demitida, como muitas reportagens disseram. Não, ela é quem deixou a Globo por meio de uma “rescisão indireta”.

Grosso modo, pegou o boné e saiu. Ela falou com esta site e canal:

Bruna, como um processo que era de R$ 50 mil passou para R$ 2 milhões?

Bruna Gosling: Penso que o estranho aqui é: como uma ação de 2 milhões do TST, que passou pela segunda instância com unanimidade de três desembargadores a meu favor, foi avaliada por uma juíza de primeira instância em R$ 50 mil, mesmo depois de ela ouvir os relatos de duas testemunhas minhas e de uma perícia absolutamente favorável a mim?!

O escritório RTR Consultores Trabalhistas me passou confiança desde a primeira conversa, em 2019, pois eu tinha muitas, muitas provas documentadas (vídeos, matérias, e-mails, mensagens de whatsapp, etc).

Cerca de 1 ano após entrarmos com a ação, a TV Globo pediu uma perícia, que chegou a ser adiada por eles, em uma das diversas tentativas de ganhar tempo.

Tive que me reunir na emissora com a Perita da Juíza, o Perito da Globo e o meu Perito.

Ex-colegas constrangidos

Eles chamaram três funcionários como testemunhas de defesa, uma situação super constrangedora pois eram pessoas com quem eu me relacionava muito bem.

Todas as informações que a Perita da Juíza levantou foram absolutamente favoráveis a mim, pois eram relatos reais de uma rotina que se normalizou nas redações, com acúmulos de funções, horas extras não pagas, plantões intermináveis, promoções com mudanças de cargo e alterações pífias de salário, ausência de um plano de carreiras/salários na empresa, etc.

Globo tumultuou

Nesse dia, ainda teve um ingrediente extra que foi algo inacreditável.

Os advogados da Globo armaram uma confusão danada na nossa chegada, tentando impedir que meu perito entrasse comigo, fizeram de tudo para me desestabilizar, tiveram a desfaçatez de desrespeitar a prita da Juíza, enfim, mas eu me mantive plena, estava muito segura dos meus direitos.

Quando a Juíza me deu ganho parcial de causa, em 2021, com o valor muito abaixo do estipulado pelos advogados, nós recorremos. Quando nós ganhamos por unanimidade na segunda instância, a Globo recorreu.

Então, o caso foi pra Brasília e, enfim, 4 anos depois (com uma pandemia no meio), a justiça foi feita.

“Nunca fui PJ”

Vi umas pessoas criticando que você (e outros globais) aceitou ser PJ mas depois pede direitos de CLT.

Bruna – Feltrin, eu nunca fui PJ, nunca me sugeriram ser PJ!

Não sei de onde surgiu isso, até porque meu salário nunca passou de 10 mil, mesmo com 16 anos de casa! Eu sempre tive carteira assinada, sempre fui CLT.

Entrei no SporTV em março de 2003, contratada pela Esporte Real, pra cobrir a licença médica de um assistente de produção.

Fui ficando, até que me contrataram em janeiro de 2004, já pela TV Globo – no início da fusão – como editora trainee, embora atuasse como produtora.

Tive a primeira promoção vertical em março de 2005, como Produtora de Reportagem.

Comecei a trabalhar como Repórter em 2008 e foi só em outubro de 2010, depois de muito questionar a empresa, que finalmente fizeram um “enquadramento” de cargo, e eu virei Repórter, mas sem nenhum aumento ainda.

Em abril de 2012, enfim, tive uma segunda promoção vertical, virei Repórter Sênior I, com aumento de mil reais.

Novos cargos, velho salário

Em novembro de 2016, quando já vivíamos o clima de sinergia com o Esporte da TV Globo, os nomes dos cargos foram igualados e eu virei Repórter III, um ajuste de cargo mesmo, sem mudança salarial.

Meu último cargo na empresa foi de Editora III, tirando cerca de 8 mil por mês.

Você foi demitida em 2019, o auge dos cortes da Globo (que continuam até hoje). Você acha que a emissora foi ingrata ou desrespeitosa com os demitidos? Digo, como você foi demitida? Foram indiferentes?

“Não fui demitida”

Feltrin, eu não fui demitida, taí outra mentira que circulou! Nem teria motivo para tal, eu era uma ótima profissional, dedicada e experiente, me relacionava bem com todos e tinha um salário baixo, mesmo com 16 anos de casa.

Portanto, nunca me senti um possível alvo das barcas. Durante a tal sinergia, a fusão do Esporte da Globo com o SporTV e com o GE.com, aquele discurso de “somos uma só Globo” foi uma piada!

A equiparação salarial era uma ilusão e a quantidade de gente competente, experiente que foi dispensada gerou um clima péssimo na redação.

Toda hora rolavam barcas, algumas mais disfarçadas, outras mais robustas, e na grande maioria dos casos, caíam os profissionais do SporTV e do site.

A velha panelinha da firma

As panelas eram cada vez mais evidentes e os cargos de confiança foram sendo ocupados pela turma que vinha do Jardim Botânico, com raríssimas exceções.

No meu caso, a insatisfação chegou ao extremo pelo seguinte: quando voltei da licença maternidade do meu segundo filho, em 2018, eu não quis voltar de imediato na reportagem, pois queria ter uma rotina organizada para poder amamentar e dar mais atenção às crianças.

Eu já tinha passado por isso na primeira filha e sabia como era difícil conciliar a rotina de repórter de esportes com um bebê em casa, sobretudo por um salário que não era compatível com minha dedicação.

Me ofereceram integrar o Núcleo de Esportes Olímpicos, como produtora.

Da TV para o online

Aceitei e, em pouco tempo, me vi apurando e produzindo pauta para todas as plataformas, acompanhando gravações de TV e escrevendo matérias pelo Globoesporte.com.

Além de estar acumulando funções, não estava motivada com aquilo e procurei um gestor para dizer que queria trabalhar como uma ponte entre o Esporte e a área de responsabilidade social.

Eu já tinha um histórico de setorista de esportes paralímpicos, então, já tinha esse olhar para diversidade e inclusão.

Pra minha surpresa, ele me ofereceu um cargo de Editora-Executiva, encheu minha bola e disse que eu seria o “braço direito do gerente de edição”.

Isso foi em fevereiro de 2019. Eu aceitei e assumi o cargo naquele momento, mas até agosto, meu salário não tinha aumentado nem um centavo.

Já chega

Foi quando pesei os prós e contras, avaliei as consequências financeiras, e a balança pesou pra decisão de sair. Quando eu disse aos advogados que estava muito insatisfeita e planejando sair da empresa, eles se debruçaram sobre meu caso e me orientaram a não pedir demissão, mas sim, conversar com meu superior e pedir a ele para ser demitida.

Se não desse certo, o plano era partir pra rescisão indireta.

Assim foi feito, em agosto de 2019 eu conversei com o diretor de esportes, expliquei os motivos da minha insatisfação, por me sentir desvalorizada, iludida, ele disse que atenderia, que comunicaria meu caso ao RH e que eles entrariam em contato.

“Demita-se, Bruna”

Uma semana depois, fui chamada pra ir à emissora assinar a carta de demissão. Qual não foi minha surpresa quando recebi o papel sugerindo que EU estava pedindo demissão!

Não assinei, lógico! A gerente de RH ainda tentou me constranger e pressionar, argumentando que as portas continuariam abertas se eu pedisse demissão.

Fui embora da empresa imediatamente e o advogado mandou um telegrama dias depois comunicando que eu estava entrando com Ação de Rescisão Indireta, que é quando o funcionário rescinde o contrato com a empresa, alegando motivos pertinentes para tal.

Então, além da Rescisão Indireta, vencemos “acúmulo de funções” e “horas extras”.

Conheça o canal de Ricardo Feltrin no Youtube

Bruna em Londres, como repórter
Bruna em Londres, como repórter

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