Quem já não ouviu a frase: “Ainn, mas você usa produtos da Herbalife? Mas essa empresa é um esquema de pirâmide!”
Bem, quase duas horas de documentário, personagens vitimizados e, principalmente, um dos investidores mais ricos do mundo que odeia e duvida da empresa não conseguem comprovar isso de forma cabal.
Pelo menos é isso que uma pessoa com um mínimo de conhecimento sobre mercado de ações deduz após assistir “Betting On Zero” (“Apostando no Zero”), filme do diretor Ted Braun, que pode ser visto na Netflix.
Ao contrário de outros documentários do serviço de streaming, o problema fundamental deste é sua parcialidade e falta de isenção jornalística.
O filme parece já partir do pressuposto de que a Herbalife é culpada, comandada por vilões, e a partir daí tenta comprovar sua tese. Fracassa.
BETTING ON ZERO
Os personagens principais são o bilionário Bill Ackman e um grupo de cerca de 10 ex-vendedores e ex-supervisores que perderam dinheiro porque compraram milhares de dólares em produtos que não conseguiram vender.
Esse grupo de (pouquíssimos) perdedores, por sua vez, é comandado por uma latina que simplesmente não sabe ao certo porque está ali, exceto que quer protestar.
Ela não tem informação sobre mercado acionário, não conhece o sistema produtivo da empresa, chora o tempo todo, mas, mesmo assim, contrata um advogado para mover uma ação judicial conjunta contra a Herbalife.
Não preciso dar spoiler, é facílimo imaginar as consequências de algo movido sobre essas bases e com uma “líder” assim.
Correndo ao lado dela está Ackman, um jovem e combativo investidor que move seu fundo de investimentos numa aposta arriscadíssima e bilionária contra a Herbalife –que tem ação listada na Bolsa dos EUA.
Fazer uma aposta assim é uma via de mão dupla: você aposta centenas de milhões de dólares que uma determinada empresa vai quebrar ou se desvalorizar monumentalmente. Se isso ocorrer, sua posição na Bolsa lhe renderá bilhões em lucro.
Ao contrário, se sua aposta estiver errada, o prejuízo será imenso.
Advinhem o que acontece?
É PIRÂMIDE OU NÃO É?
Vejam bem, eu não tenho nenhuma procuração ou interesse em defender a Herbalife. Nem quero.
Além disso, sabemos que a empresa levou cerca de 2 anos atrás, das autoridades monetárias e fiscais dos EUA, uma imensa multa em torno de US$ 200 milhões.
Motivo: falta de transparência em sua política de recrutamento de vendedores, entre outras coisas.
Seu então presidente, Michael Johnson, oriundo da Disney, teve de pedir demissão. Então, alguma culpa a companhia realmente tinha. E já pagou por isso.
Só que sua contabilidade foi vasculhada com raio X , e não se encontrou qualquer sinal de “golpe piramidal”.
Eu mesmo, como estudioso ( e investidor) do mercado de ações, até tenho dúvidas sobre a saúde da companhia (como teria com qualquer outra), mas não consegui até hoje ver sinais de “pirâmide”.
Pessoalmente, se eu fosse um “advisor” (conselheiro) de Ackman, eu teria tentado dissuadi-lo dessa aposta: eu nem preciso dizer o tamanho do prejuízo e dor de cabeça que ela lhe causou até agora.
Por quê? Bem, primeiro porque os fraudulentos esquemas Ponzi (piramidais) não têm produto algum envolvido.
São uma cilada para atrair investidores incautos para uma arapuca sem qualquer base produtiva, como ocorreu no famoso caso Bernie Madoff.
Pois bem, a Herbalife tem base produtiva, produtos sólidos e, tudo indica, saudáveis; além de compradores para eles.
HERBALIFE, JEQUITI, AVON
Mais uma vez, exemplificando no grosso modo: não vejo grande diferença entre o sistema produtivo e de vendas da Herbalife ou da brasileira Jequiti; ou da Avon, por exemplo.
A HL produz milhões de unidades de suplementos, shakes, chás, vitaminas e barrinhas. Esses produtos não estão à venda em nenhuma loja.
Para adquiri-los você tem de encontrar algum revendedor. São produtos caríssimos, aliás, chegam a custar o dobro do que seus congêneres.
Ora, se você quiser ser um revendedor você se inscreve e vai lá na Herbalife adquirir produtos, pagando por eles.
Como são produtos caros, se você revendê-los com eficiência, seu lucro será grande também.
Depois, se quiser ganhar mais você terá necessariamente de fazer uma rede de venda e consumo abaixo de você, atraindo outros distribuidores.
Quanto maior e mais eficiente sua rede, mais “royalties” você ganhará, já que se torna “sócio” na venda de todo mundo que você atraiu.
A acusação de “pirâmide” é essa. O que na Herbalife se chama de “duplicação” –duplicar ou ampliar cada vez mais sua rede para ganhar mais.
Ok, mas isso é um esquema Ponzi?
Pessoalmente acho que não, porque há produtos envolvidos, e consumidores ávidos por eles.
FILOSOFIA DA HERBALIFE
Há um outro argumento: uma das bases da “filosofia” Herbalife é reduzir o índice de obesidade nos EUA e no resto do mundo.
Você substitui uma das refeições por um shake, por exemplo.
Ajuda seu sistema digestivo e urinário com chás. Troca alimentos sem valor nutritivo por outros com valor. Não estamos falando aqui de uma ilusão, mas de um uso prático para produtos reais e já testados.
PRODUTOS HERBALIFE
Eu mesmo já consumi alguns produtos Herbalife. Os shakes de morango, baunilha e paçoca são bem gostosos.
A barrinha cítrica, por exemplo, achei deliciosa. Pena que são muito caros, e nada fáceis de encontrar no Brasil.
De qualquer forma, embora não tivesse sido esse o objetivo, o filme ajuda o público a conhecer mais sobre a empresa, e com um pouco de atenção, a desmitificar algumas lendas a respeito dela.
Com sede nos EUA, a Herbalife tem faturamento anual de US$ 4 bilhões, tem cerca de 3,8 milhões de revendedores independentes, distribui seus produtos para 95 países e tem 38 anos de idade.
Se fosse uma pirâmide, seria a mais longínqua já criada.
Lembrando: se você tentar investir num setor que você não conhece nada, e também não conseguir montar uma rede de compradores ou de novos revendedores para seus produtos, é óbvio que você fracassará.
Mas isso me parece ser uma regra geral da economia e mercado, e não um esquema sacana e malicioso de uma só empresa.
ATUALIZAÇÃO – Como o documentário na Netflix é de 2017, ele não informa obviamente que em fevereiro deste ano Bill Ackman desistiu de sua batalha contra a Herbalife. Seu fundo, o Pershing Square Capital Management, pode ter sofrido um prejuízo estimado em meio bilhão de dólares.
Filme – “Betting on Zero” (Apostando no Zero – A Herbalife)
Onde: Netflix
Avaliação: Bom (e útil) ??
Saiba mais sobre o esquema de Bernie Madoff
Leia mais sobre a Herbalife na Wikipedia