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Minhas redes

Para minha mãe, para todos vocês

Texto pessoal, de Ricardo Feltrin, sobre os efeitos da pandemia de coronavírus e do confinamento no Brasil

Evito escrever textos em primeira pessoa, muito menos sobre minha vida pessoal ou familiar.

Vou fazer isso hoje para compartilhar e tentar levar um pouco de empatia e também realidade a todas as pessoas que conheço, que me seguem e a quem sigo nas redes sociais.

A todos que conheço, que gostam de mim, que acompanham meu trabalho perto ou longe. Física ou digitalmente.

Ofereço também a todos com quem discordo, e até a quem me detesta.

Peço perdão se desagrado. Minha intenção é não só falar de mim, mas também da humanidade, de humanismo, de humanos.

Como tudo começou

Aprendi a ler e escrever antes de entrar no primeiro ano primário.

Aprendi com minha mãe, professora da rede estadual de SP, quando tinha apenas 4 anos.

Em vez de ser alfabetizado e aprender as letras “a”, “b”, “c” “d” etc, como todas as crianças, ela já começou me ensinando as sílabas “dó”, “ré”, “mi”, ‘fá”, “sol”, “lá”, “si”…

Ela me alfabetizou ao mesmo tempo em que começou a me ensinar (a obrigar, na verdade) piano.

Ao mesmo tempo me mostrava no piano onde estavam essas “sílabas”. E também a desenhá-las com bolinhas e risquinhos nas pautas em branco.

Resultado: aos cinco anos já sabia escrever tropegamente, tocar piano um pouquinho e até “entender” partituras básicas.

Filho dessa professora estadual aposentada e de um pai metalúrgico, nasci numa família classe média-baixa de São Caetano (ABC).

Bem mais para baixa que para média.

Os Livros, a Música

Todos morávamos com meus avós, pais de minha mãe.

Minha nona trabalhou na lendária tecelagem Crespi, na Mooca. Ali ela fez pára-quedas para o Exército na 2ª Guerra.

Já meu nono, Antônio, era almoxarife na Texaco. Sabia tocar acordeão e era poeta.

Declamava de memória estrofes e mais estrofes de “Os Lusíadas”, de Camões –o que deixava minha nona, dona Antônia, completamente louca.

Apesar da família ser financeiramente humilde, tive a bênção desde criança de, em casa, ter uma biblioteca com centenas e centenas de livros à disposição.

Todas as enciclopédias que vocês possam imaginar nós tínhamos.

“Barsa”, “Conhecer”, “Medicina & Saúde”; clássicos da filosofia, romances, livros de história, sociologia e até genética. Tinha de tudo ali.

Meus pais se separaram quando eu tinha 5 anos. Se separaram de forma litigiosa e violenta, aliás.

Minha mãe era pianista e organista, e também cantora lírica.

Uma soprano fabulosa que fazia a casa vibrar com seu agudo máximo (sério, não é exagero).

Chegou a compor e até teve uma de suas músicas gravadas na década de 60, pelo finadíssimo selo Boleros Inéditos.

Desde que me conheço por gente, minha mãe tocava em igrejas para complementar a renda dos minguados salários dos meus avós.

E para pagar o advogado, claro.

Também havia voltado a estudar e entrou para a faculdade. Foi estudar letras porque precisava de uma profissão.

Afinal ela havia deixado tudo –estudos, piano, canto– pelo casamento e os filhos.

Uma pestinha nas missas

Desde que nasci até os 12 anos de idade, mais ou menos, fui obrigado não só a estudar piano diariamente (ou então não podia sair pra brincar), mas também obrigado a assistir missas TODAS AS NOITES.

Não estou sendo hiperbólico, não. To-das as -noi-tes.

Até me rebelar, por volta dos 12, chegava a assistir cinco missas noturnas na Igreja da Candelária, em São Caetano.

Minha mãe e avós não me deixariam ficar em casa sozinho. Eu era uma temeridade.

A Candelária era a paróquia do padre italiano e carequinha José Caruso.

Nos finais de semana, além das missas minha mãe também tocava em casamentos.

Pensem numa criança 200% contrariada. Que chegava às 15h na igreja e só saía de lá às 21h.

Para passar o tempo e tentar agradar às garotas, virei coroinha.

E também a peste oficial da paróquia.

Arrumava brigas com a molecada do bairro. Bebia escondido o vinho do padre.

De acompanhamento com a bebida comia lanchinhos feitos de placas de massa para hóstias furtadas dos armários (parecem bijus finos e totalmente sem gosto).

Numa bela tarde disparei o sino automático durante um casamento.

Como coroinha desastrado derramei a taça de vinho no altar durante a missa.

Envergonhado, desesperado e trapalhão, em vez de correr para a sacristia atravessei a igreja berrando e chorando fugindo pela porta de entrada.

As pessoas apenas me olhavam boquiabertas, vi de relance.

O padre e minha mãe tiveram de parar a missa e me buscar.

No entanto, o outro lado disso é que, ao mesmo tempo, me tornava uma pessoa muito religiosa.

Desde que aprendi a ler meu livro de cabeceira se tornou a Bíblia.

No entanto não me tornei um cristão como se diz por aí. Me tornei genuinamente espiritualizado ou “etéreo”, pode-se dizer.

Acreditava e acredito em Jesus, sim.

Aliás desde criança falava com ele nas horas mais difíceis (especialmente quando era proibido de sair pra brincar, por exemplo).

Mas, também acreditava em (e às vezes via) espíritos, santos, energias, vida orgânica e também inorgânica. “Ainn, você tá vendo coisas”, diziam.

Estava mesmo. Ainda vejo (e ouço).

Bichos e plantas

Conversava (e converso até hoje) com bichos e plantas. Amava e amo até os insetos.

Fazia armadilhas para capturar gatos da vizinhança (com pratinhos de leite) e pardais (com alpiste que roubava do mercadinho).

Fazia isso só para conversar, passar a mão neles, beijá-los e depois soltava.

Devo dizer que muitos gatos voltaram depois voluntariamente à laje da minha casa, na rua Edmundo Monteiro, 69, no hoje bairro Santa Paula.

Pera, entrei numa outra digressão.

Eu a devorei a Bíblia inteira antes dos 12 anos. Preferia o Velho ao Novo Testamento.

Meu livro preferido era o “Eclesiastes”, mas adquiri fixação pelo “Apocalipse”.

Desde que coloquei os olhos nesse livro terrivelmente profético, tive a certeza que assistiria ao Juízo Final ainda vivo.

Minha mãe dizia (e ainda diz) que era tudo besteira, que eu estava maluquinho e coisa e tal.

Mas, essa certeza sempre esteve comigo.

Da Bíblia passei a buscar livros e a ler sobre todas as religiões.

Minha mãe, apesar de católica até certo ponto fanática, teve mais um papel fundamental aí: não me impediu em nenhum momento de seguir meu coração.

Inclusive já com 7 anos bati o pé e exigi passar férias com meu melhor amigo, um vizinho evangélico chamado Zé Miguel, numa escolinha da Igreja Batista em São Caetano.

Nós crianças passávamos o dia todo lá.

Ouvíamos aulinhas bíblicas, víamos filmes, e cantávamos todos juntos, com as cabecinhas encostadas uma nas outras.

Não é à toa que peguei piolho.

Deus

Passei todos os anos seguintes, até hoje, 21 de março de 2020, lendo, estudando e frequentando todas as religiões possíveis e imagináveis.

Protestantismo, espiritismo, esoterismo, ocultismo, teosofia, umbanda, xamanismo, Quarto Caminho, Eubiose, Santo Daime, iogas, dezenas de filósofos (amo Wittgenstein).

Absolutamente tudo que vocês imaginarem sobre o assunto eu li a respeito e / ou frequentei.

Tenho minha fé pessoal inabalável, porém, que agora não vem ao caso.

Cheguei a passar dias e mais dias sozinho em uma barraca no meio da mata no sul de Minas.

Nessas andanças também me embrenhei uma vez em São Tomé das Letras e passei uma madrugada perdido e sozinho na mata fechada.

Sabem o reality “Sozinhos”, do canal History?

Eu seria um forte candidato à vitória.

O roqueiro celibatário

Dos 22 aos 25 anos, especialmente, essa curiosidade religiosa tomou conta de mim de tal forma que decidi ser celibatário também.

Não por moral, ou por achar que “ainnn é pecado”.

E sim porque comecei a fazer experimentos pessoais com estados alterados de consciência, mas não vou me alongar sobre isso aqui.

Quase só saía de casa para comprar livros e ir às várias bibliotecas nas quais virei “sócio”, para pegar e devolver livros.

E também saía eventualmente porque comecei a tocar teclado profissionalmente.

Primeiro em festivais de música, depois na banda sulsancaetanense de pop rock “On The Rocks”.

Alguns dos integrantes dessa banda ainda são talentosos músicos e ainda tocam profissionalmente.

Bom, só essa fase em breve vai virar outro texto: “o roqueiro celibatário” rs.

Como acabou meu celibato? Com a maior bênção que eu podia ter na vida.

Saí dessa “quarentena sexual voluntária” de mais de dois anos para um namoro-relâmpago que terminou em gravidez.

Meu filho tem hoje 31 anos, e é de longe a melhor coisa da qual fiz e faço parte. Encho a boca para falar: é doutor em Neurociências.

Todas as religiões

Como alguns sabem, ou estão lendo agora, além de músico, sou jornalista.

Quem me conhece sabe que já escrevi sobre tudo na imprensa, política, administração , sindicato, cinema. Nos últimos 20 anos, especificamente, TV.

No entanto, considero a religião meu assunto preferido (vejam link após o texto).

Nunca vou fazer proselitismo, acredito que religiosidade e fé são coisas tão pessoais como sexualidade.

Ou seja: sua vida íntima não é da minha conta, e não tenho a menor capacidade de nem sequer falar a respeito dela.

A hora chegou. Preparai-vos

Só sei que, neste momento, tudo que estudei, li e vivi é só o que me resta para enfrentar hoje: o primeiro dia do resto das nossas vidas.

Como vocês, também estou assustado e não sei se sobreviverei ao caos que apenas começou.

Não quero assustar ninguém, mesmo porque a realidade já é apavorante demais.

Mas, desculpem, tenho certeza que o pior ainda está por vir.

Sei –e principalmente sinto até meus ossos– que a verdadeira tragédia ainda nem começou.

Meus olhos se enchem de lágrimas apenas de escrever isso. Mas sempre lembro que “o Senhor é meu pastor, nada me faltará. Teu bordão e teu báculo, nestes eu me conforto.”

Agora descobriremos –na marra– que somos parte de um mesmo organismo, que somos células, e não egos.

A única coisa que nos resta é mudar de estado de consciência e deixar chegar a nova vibração, a nova era, o tempo que virá depois da catástrofe.

Não com ódio (o qual também destilo, e muito), mas com carinho.

Não com vingança, mas com perdão. Com generosidade e reconciliação.

Aliás, isso já estamos presenciando a famigerada Nova Era de Aquário.

Ninguém disse que seria boa. Só os hippies emaconhados achavam isso.

Nunca vi em minha vida tanta gente perversa como nos últimos anos. Nunca vi e e li tanta maldade como nas redes sociais.

Elas deixaram transbordar e tornaram visíveis o pior da raça. Os maus apropriaram-se de um falso e ilusório poder que agora se esvairá de suas mãos.

Por outro lado nunca presenciei tanto altruísmo, tantas pessoas corajosas e bondosas.

A guerra do Bem contra o Mal que eu lia desde criança no “Apocalipse” está em pleno andamento.

É como se fosse uma primavera planetária. Com suas ervas daninhas, sim, mas também com as flores mais lindas e perfumadas que podiam existir.

“Ainnn, mas você vive dizendo no twitter que não gosta de gente”.

Fato. Mas, nunca disse que odeio a raça da qual faço parte. Muito menos faço mal a qualquer criatura (voluntariamente).

Além disso não acredite em tudo que lê em redes sociais.

São apenas papéis que a gente representa.

Quem me segue no Twitter , Facebook ou no Instagram pode ver que interpreto três papéis completamente diferentes.

Aqui, hoje, sou eu mesmo escrevendo.

Religar ou reconciliar

Diziam Lactâncio e Santo Agostinho que a palavra “religião” vem de religar.

Sei lá se isso procede, mas tenho certeza que, se não for “religar”, certamente pode ser “reconciliar”.

Seja por bem ou por mal. Com ou sem dor. Vivos ou mortos. Primeiro com nós mesmos, depois com o próximo.

Sim, vamos perder (muitas) pessoas queridas. Vamos continuar a assistir cenas horríveis e outras ainda piores estão por vir, desculpem a sinceridade

Além disso, por meses vamos continuar lendo as coisas mais medonhas, as mentiras mais horríveis na internet e especialmente nas redes sociais.

Ainda assim nossos espíritos (acredite nisso ou não) permanecerão intocados e livres de qualquer epidemia, inclusive a da maldade.

Talvez e é até provável que ele atinja nosso corpo físico, mas vírus nenhum contaminará o coração e o espírito de quem se abrir para a Novo Tempo que chegou.

Ou para Deus. Ou Jesus. Ou para o Ser Divino ao qual você ora e respeita.

Se você é ateu, tudo bem: apenas acalme seus pensamentos. O momento chegou para você também.

Minha mãe

Escrevi este texto e o dedico à minha mãe, dona Anna, 85 anos, que me ensinou a ler, tocar piano e fazer aquelas bolinhas na partitura.

Que me deu liberdade para explorar o mundo e seguir meu coração.

Demorei quase 57 anos para entendê-la e principalmente amá-la incondicionalmente. Nunca é tarde.

Meu único medo do coronavírus hoje é, primeiro, contagiá-la acidentalmente; segundo, se isso ocorrer, não poder cuidar dela.

Tenho pavor só de pensar isso. Ela é a pessoa mais indefesa e inocente do mundo.

Quem me segue nas redes, especialmente no twitter, viu o pânico que ela e eu vivemos recentemente, quando teve ser internada às pressas.

A gatinha Joy

O primeiro grande golpe nós já tínhamos sofrido no mês passado, e eu o revelo hoje a vocês.

Perdemos nossa amada gatinha Joy para uma pancreatite avassaladora.

Nós a perdemos a despeito dos cuidados e do amor incrível que sua doutora, Janaína Reis, deu a ela. E a mim também, aliás.

Nunca havia tido depressão na vida até a Joy morrer. Parei de ir ao cinema. Parei de sair de casa. Parei de tocar piano. Me senti doente.

Confesso que a dor foi tanta que cheguei mesmo até a pensar em voltar a chafurdar na droga, pois sei que é um poderoso anestésico.

Graças a Deus, ao amor de minha mãe, ao amor pelo meu filho, e tenho certeza que também pela Joy, superei esse desejo nocivo mortal.

Outra coisa que me ajudou, por incrível que pareça, foi não demostrar a quase ninguém a dor que eu estava sentindo.

Apesar de me trancar em casa por vários dias, não deixei de trabalhar, escrever e postar. De preferência coisas bobinhas e engraçadas.

Fazer rir foi um remédio que me fez voltar a rir também. A despeito de tudo e de todos.

A anjinha peluda

Uns três dias antes de a Joy morrer, ela sumiu.

Pensei que tinha fugido. Me apavorei ao pensar que poderia ter pulado da janela.

Passei um tempão procurando por ela até que a encontrei, assustadinha, escondida no fundo do meu guarda-roupa.

Ele estava fechado, não sei como e nem quando ela entrou lá.

Dias atrás ainda estava devastado de saudade e tristeza.

Senti tanto a falta dela que tranquei meu quarto, entrei dentro do meu guarda-roupa e deitei no mesmo lugar em que a encontrei naquele dia.

Ali eu chorei, chorei e chorei até secar a última lágrima.

Mal nós a perdemos e minha mãe, que foi quem adotou Joy por volta de 2012, teve um sério problema de saúde e foi internada às pressas.

Foi a terceira vez em um ano.

Não por coincidência, tenho certeza, nossa gatinha foi adotada depois de ser encontrada vagando dentro de uma igreja em Santo André.

Nos últimos anos, além de minha mãe e do meu filho, ela foi meu amor.

E quando partiu, Joy me uniu ainda mais à minha mãe.

Outro anjo em minha vida

No dia que dona Anna foi internada, os paramédicos vieram buscá-la

Quase em choque, em delírio, ela olhou para a janela de seu quarto e balbuciou:

“Olha a Joy na janela! Deixa ela entrar”. Moramos no 10º andar.

Depois da morte da gatinha, nós nos abraçamos, choramos muito e pedimos perdão um ao outro. E agradecemos o que a Joy fez conosco.

Acredite quem quiser. Até dias atrás eu ainda ouvia suas patinhas pela casa.

Depois que chorei dentro do guarda-roupa, foi como seu eu a tivesse libertado. Sei, ou na verdade sinto, que a Joy agora partiu.

Sei também que está em outro lugar esperando por nós.

Dona Anna, majong e o Gibbs de “NCIS”

No momento em que escrevo estas linhas dona Anna está lá no quarto, quietinha.

Está lá concentrada, como sempre jogando seu Majong.

Daqui a pouco tenho certeza que vai começar a ver pela enésima vez os episódios NCIS.

Ela simplesmente ama o Leroy Jethro Gibbs (o ator Mark Harmon).

Eu também o amo, desde sua presença avassaladora e relâmpago no seriado da minha vida: “The West Wing”.

Mesmo tendo recebido alta na semana retrasada, fomos avisados que minha mãe está com um sangramento interno e que esse sangramento está derrubando suas defesas corpóreas.

Sabemos que não é no estômago, porque a amorosa e maravilhosa equipe do hospital Dante Pazzanese fez endoscopia e todos os outros exames possíveis.

Ah, esqueci de contar: durante a internação, uma amável médica, doutora Rafaela, me disse que ela estava “delirando”, e que toda hora falava que estava vendo um gato no quarto.

Eu sei que a Joy ainda estava lá com ela

Dona Anna teve alta, mas faltam outros exames.

Ela precisaria fazer outros exames invasivos, como uma colonoscopia; e simplesmente a pandemia fechou o atendimento para todos, exceto para os que já estão internados.

Já percorri e varri inúmeros hospitais e clínicas, por telefone e pessoalmente.

Ontem, em mais um hospital, em Osasco, ouvi mais um não.

Foi então que o segundo anjo desconhecido apareceu em minha vida e na da minha mãe em 2020.

O primeiro eu já contei nas redes: foi a funcionária da CET Angela Arcas, que salvou a vida dela semanas atrás, sem nem sequer conhecê-la.

Angela a salvou colocando em risco a própria vida, abrindo caminho e entrando na contramão pelo trânsito caótico de São Paulo, agravado por uma manifestação de funcionários públicos.

Guiando um carro da CET à frente, Angela conduziu a ambulância na qual minha mãe estava já em quase colapso (por anemia profunda e edema pulmonar) até a porta do hospital.

Pois ontem o segundo anjo apareceu, quando viu meu desespero no hospital.

Essa mulher deconhecida ouviu tudo, me viu chorando, se aproximou, colocou a mão no meu ombro e disse.

“Filho, volte para casa. Volte para sua mãe agora. Ame-a do jeitinho que você está fazendo até o último instante.”

Quis abraçá-la, mas lembrei da pandemia e que estávamos dentro de um hospital.

Ainda assim por impulso beijei suas mãos (e depois sem jeito ofereci álcool gel, mas ela riu e disse não).

Apesar de ter dito apenas uma frase com o olhar mais terno do mundo, eu entendi.

Além de não achar onde fazer o exame, dificilmente seu resultado –bom ou mau– vai mudar qualquer coisa.

Uma médica compreensiva já havia me dito pouco antes, tentando me confortar: aos 85, debilitada, nenhum médico do mundo se arriscaria a operá-la neste momento.

E levá-la ou deixá-la em um hospital –além de quase impossível neste momento– a colocaria em um risco ainda maior.

Ouvi o anjo e corri para casa, ainda chorando. Uma mistura de tristeza, impotência e alívio aprendidos com dor e à força.

Neste momento catastrófico, de uma pandemia que afeta a todos, não adianta eu ter dinheiro.

Não serve para nada ser relativamente conhecido. Nunca dei “cateirada”. Agora então…

Também aprendi dolorosamente que não adianta ser um bem sucedido investidor da Bolsa (sim, ainda, por incrível que pareça).

Neste momento, eu e minha mãezinha somos igualmente indefesos e estamos nas mesmas condições que qualquer um de vocês.

Sozinhos, confinados, em pânico. Apegados à única coisa que nos resta: o amor incondicional de um pelo outro. E ao nosso Deus. Cada qual com o seu, cada qual com sua fé.

Para minha mãe, para todos vocês

Estou sozinho com ela e a única coisa que vem enquanto escrevo este texto são apenas mais lágrimas.

De medo e também de agradecimento por tudo que ela fez e me deu nesta vida.

A começar pela própria vida.

E eu nem posso mais garantir a dela neste momento.

Oro por uma de minhas últimas parentes com que tenho contato, minha prima Andrea, que tanto tem se preocupado com minha mãe, embora morando a centenas de km daqui.

Amem as pessoas queridas, não deixem de dizer a elas o quanto são importantes para vocês.

E mesmo que não sejam, até uma palavra de carinho “mentirosa” também ajuda.

Protejam-se, abracem-se nem que seja digitalmente ou apenas com palavras, como as que tento usar neste texto.

Nunca passamos pelo que está aí e muito menos pelo que vem à frente.

Nunca mais seremos os mesmos depois de tudo isso. Hoje eu sei que renasci e não sou mais o mesmo de ontem.

Estou pronto para morrer, se isto estiver no meu desígnio. Só imploro que não seja antes dela.

Eu te amo, minha mãe. Vou cuidar de você até minha última gota de energia e fé.

Para você, meu filho amado, meu maior orgulho.

Para todos vocês que estão vivendo ao mesmo tempo que eu no tempo e no espaço.

Para a maior das mães, a Terra.

Para você, minha Joy, muito obrigado pelo que fez em nossas vidas.

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