No segundo semestre de 2021, quando as denúncias de oito mulheres contra Marcius Melhem, por assédio sexual, já eram de notório conhecimento midiático havia um ano.
Tanto o DAA (Desenvolvimento e Acompanhamento Artístico) como o compliance da Globo haviam recebido e apurado as denúncias no final de 2019.
Tanto o DAA como o compliance da emissora fizeram a investigação, ouviram testemunhas e decidiram arquivar as denúncias duas vezes.
Caso encerrado. Duas vezes.
A primeira no início de 2020. A decisão causou revolta nas acusadoras de Melhem, que pressionaram a Globo não só a manter aberto o caso como a demiti-lo.
Como este jornalista publicou, naquele momento as acusadoras e suas amigas estavam promovendo uma verdadeira “blitz” na Globo, exigindo que outras mulheres também o acusassem.
Como quase todas se recusaram, elas partiram para a ameaça de “cancelamento” e até intimidação, o que causou até queixas disso junto ao próprio compliance.
Enquanto elas passavam o “rolo compressor” na emissora, Melhem havia se licenciado em março (2020) para viajar aos EUA com a filha, que estava sob tratamento médico devido a uma grave doença.
Insustentável, mas sem provas
Quando ele voltou, foi chamado por Carlos Schroeder que sua situação era insustentável, e ele acabou deixando a emissora.
Em 2021 a “narrativa” das acusadoras continuou a vigorar na mídia, que repercutiu praticamente tudo que elas “denunciavam”.
Mas, na Globo, a situação era outra.
Depois de ouvir muitas testemunhas, dos dois lados, o “compliance” da emissora já havia concluído que as denúncias não se sustentavam.
A famigerada festa do Zorra
Um dos casos investigados, por exemplo, foi o da famosa festa do “Zorra”, em 2017, que foi o cerne da matéria da “piauí” em 2020.
Dani Calabresa acusava Melhem de vários “crimes” nessa festa, como o de tentar beijá-la à força, mostrar-lhe o pênis, ter lambido seu rosto e agarrá-la.
Segundo este site apurou, o “compliance” da Globo ouviu cinco testemunhas presentes a essa festa.
Quatro negaram ter visto qualquer um dos fatos relatados pela humorista. disseram ter visto, sim, Calabresa e Melhem trocando beijos não só entre si, mas como uma terceira pessoa.
A melhor amiga não viu e não ouviu
A terceira pessoa era Maira Perazzo, melhor amiga da humorista, que TAMBÉM disse ao MP não ter visto nada do que Calabresa havia relatado, tampouco ouvido a amiga reclamar de Melhem.
“Só tinha lembranças boas”, disse.
A única que confirmaria depois foi Débora Lamm (a atriz que o acusa de assédio sem tê-lo acusado de assédio).
Atriz que acusa Melhem de assédio NÃO acusa Melhem de assédio. Isso mesmo que você leu. – YouTube
Caso encerrado, parte 2
O compliance concluiu que a acusação de Calabresa não se sustentava.
Então a emissora decidiu arquivar o caso pela segunda vez, no segundo semestre de 2021, como este jornalista publicou com exclusividade em janeiro do ano passado no portal UOL.
Isso revoltou ainda mais as oito mulheres e suas amigas.
A pressão das acusadoras contra a emissora se tornou muito mais pesadão e agora era dirigido ao compliance e à direção artística.
Detalhe: eram sempre as mesmas desde 2020 que pressionavam.
A despeito da intimidação e ameaças de cancelamento a colegas, elas jamais conseguiram aliciar para a acusação nenhuma funcionária ou ex-funcionária da Globo.
Aparecem as mensagens
Quando este jornalista começou a publicar no UOL as mensagens trocadas entre as acusadoras de Melhem e ele, a partir de junho do ano passado (as de Dani Calabresa e Verônica Debom, por exemplo).
Caso Melhem: conversas com atriz que acusa diretor de pedir sexo oral (uol.com.br), as acusadoras reiniciam a guerra contra o compliance.
Por meio de advogados (as), começam a surgir insinuações de processos judiciais das atrizes contra a emissora, com alto potencial de amplificarem ainda mais o escândalo.
Sobrou para o compliance
Pois elas conseguiram. No final de 2022, praticamente todos funcionários e funcionárias envolvidas na investigação do caso já haviam sido demitidos.
O departamento inteiro foi trocado e para sua direção foi nomeada Ana Carolina Bueno Junqueira Reis.
Uma de suas primeiras medidas foi assinar uma carta para “acalmar” a tropa de choque dentro da emissora.
Apesar de a carta não afirmar que a Globo comprovou nada contra ele, foi isso que acabou sendo divulgado na coluna de Léo Dias, com o título:
”Globo investigou e comprovou assédio de Melhem”.
Leia o trecho da nota e tire suas próprias conclusões:
“Tendo em vista as ALEGAÇÕES de práticas abusivas, (o compliance) recomenda o afastamento (de Marcius Melhem) do cargo de gestão e seu afastamento por 180 dias.”
Em outras palavras, a Globo não comprovou coisa alguma, apenas registrou tomar uma atitude por causa de “alegações” (das acusadoras).
Além disso, no dia de sua saída (setembro de 2020), a Globo ainda fez questão de divulgar uma “love letter” para Melhem, ou carta de agradecimento por serviços prestados.
Apenas poucos funcionários têm essa “deferência” final da casa.
Voltando à tal carta que “comprovou” o assédio, a Globo e a nova diretora do Compliance “esqueceram” de dar duas informações fundamentais.
A carta foi feita em janeiro de 2022, cerca de um ano após o arquivamento por falta de provas; e foi assinada por uma profissional (Ana Carolina Reis) que JAMAIS teve qualquer papel nas investigações, e nem sequer fazia parte do núcleo (de investigação).
Como diz o ditado, uma carta “para inglês ver”.
Outro lado – Globo
A Globo enviou nesta terça-feira (21) uma nota em respósta a esta coluna. Veja a íntegra:
“Não nos manifestamos sobre casos de Compliance, mas a matéria abaixo parte de premissas que não são verdadeiras. Entre outras, não é verdadeira a afirmação sobre demissões na área de Compliance. E, como você pode comprovar fazendo uma busca em matérias da época, a diretora de Compliance da Globo, Carolina Bueno Junqueira, está na empresa desde abril de 2020. Central Globo de Comunicação”
Réplica
De fato errei a data da entrada de Ana Carolina na direção de Compliance e Riscos do Grupo Globo.
Foi em abril de 2020. Mas isso não muda nada.
Mas a investigação sobre Marcius Melhem já tinha acabado e ele estava afastado da empresa desde março.
Depois disso nunca mais foi ouvido. Resumindo: quando ele foi ouvido pelo compliance, dra. Carolina não estava no cargo e não fez parte das investigações. Ela não sabia o que ele falou e nem como se defendeu.
Melhem foi demitido em agosto, então não poderia existir mais compliance sem funcionário. A menos que a Globo siga outros princípios.
A carta usada por Léo Dias para acusar Melhem de um crime (que a carta nem sequer cita) é assinada por dra. Carolina em 31 de janeiro de 2022. Muito após o caso ter sido enterrado pela própria Globo.
O que é mais espantoso: como pode a carta interna de uma diretora de Compliance, que não investigou o caso do qual está falando, vazar para um repórter? ]
Como isso pode ocorrer dentro do departamento de compliance do maior grupo de mídia do país? O fundamento de um compliance não é o sigilo?
O que é certeza é que esse documento, que a despeito de não dizer nada, vazou sob a gestão da dra. Carolina, e a assinatura dela está lá.
Mas foi usado por um jornalista para soltar mais uma “fake news” contra o ex-funcionário da Globo.
Para encerrar a réplica, Melhem era registrado em carteira (CLT).
O Grupo Globo JAMAIS fez qualquer anotação de advertência em sua carteira de trabalho. E ainda por cima divulgou uma “love letter” sobre ele, por bons serviços prestados.
Sobre a dispensa, afastamento ou transferência de todos os funcionários do Compliance que estiveram envolvidos nesse caso, mantenho essa informação.
Horrível o papel do compliance e da Globo nesse caso.
Outro lado – Melhem
Procurada, as assessorias de Melhem e de seus advogados se recusaram a comentar op teaor desta reportagem.
Outro lado – Acusadoras
Essa é a nota “padrão” a os demais defensores de Calabresa e as outras sete mulheres que acusam Marcius Melhem de assédio sexual.
“Marcius Melhem foi denunciado por assédio sexual e moral, perante a Ouvidoria Nacional da Mulher do Ministério Público, por oito mulheres que eram suas subordinadas. As denúncias são respaldadas por depoimentos e provas sólidas, intimidar as vítimas e tentar desqualificá-las é, infelizmente, uma estratégia comum de acusados de assédio.
Nós, defensores das vítimas, acreditamos que tratar deste assunto publicamente é mais uma violência contra as vítimas. Para romper essa cadeia de ataques e exposição indevida e ilegal de identidade e privacidade das denunciantes, preferimos nos pronunciar na Justiça. Nada justifica o assédio.”
Opinião de especialistas
“A segurança da informação e proteção de dados pessoais nesses casos são especialmente importantes para empresas com altíssimo grau de exposição, em razão do risco de dano reputacional a todos envolvidos”, diz Bernardo Viana, professor da FGV sobre Investigações Internas.
Nota: Quem vazou a informação de que uma investigação estava em andamento no compliance foi Rodrigo Branco, um dos melhores amigos de Calabresa, em dezembro de 2019. Em outras palavras, o vazamento começou do lado da acusadora assim que a denúncia foi feita, o que já caracterizaria um desrespeito às regras da emissora e de seu compliance.
“Sem provas, qualquer alegação pode ser entendida como verdadeira e não há provas do contrário. A Globo não tem a obrigação de investigar internamente um caso de crime, mas deveria fazê-lo, até mesmo para se resguardar de responder a um processo judicial por culpa presumida”, afirma Carla Rahal Benedetti, doutora em Direito Penal pela PUC-SP, presidente da Comissão de Estudos de Criminal Compliance do Instituto dos Advogados de São Paulo.
Nota: A Globo não obteve e nem pediu quais quer provas a Dani Calabresa, limitando-se a ouvir seu relato e depois de suas amigas. Segundo este site apurou, o compliance se recusou a ver mensagens trocadas entre Melhem e Calabresa, que comprovariam uma relação intimista e de carinho.
“A maneira de serem feitas estas indagações do compliance (perguntas vagas para o acusado) podem, além de cair num ostracismo investigatório, chegar a ‘lugar nenhum’. E ter, como consequência, uma possível denúncia de assédio moral e de crimes contra a honra.” (Carla Rahal Benedetti, Presidente da Comissão de Estudos de Criminal Compliance do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
Rahal defende, inclusive, que os departamentos de compliance das empresas jamais fiquem dentro dessas empresas e que de forma alguma tenha funcionários da empresa.
Para ela, esse departamento deve ter independência absoluta como a de uma auditoria externa. Ou seja, não integrar a companhia para a qual trabalha.
Nota: O compliance da Globo é formado por funcionários da Globo e fica dentro da Globo.