Diferentemente do que alguns cineastas supostamente “esquerdistas” andaram pregando, “O Jardim das Aflições” é um documentário sobre pensamento e filosofia, e sua única abordagem sobre ideologia é analítica. Filosófica.
Parece que não restam dúvidas de que nenhum dos “boicotadores” do festival Cine PE tenha assistido ao filme que traz um pouco da visão autodidata e “holística” de Olavo de Carvalho.
Caso tivessem assistido, talvez tivessem evitado fazer um papel tão ridículo para a cultura e, principalmente, para o próprio cinema. Mas, justamente por serem ridículos, merecem ser lembrados pela história.
Filmes e documentários sobre pensadores são raros –ainda mais no país–, e “O Jardim” entra no rol dessas raras obras.
PENSAR LIVRE
A base é o livro homônimo, que disserta filosoficamente como o ser humano passou de um imaginário estado idílico do Jardim do Éden bíblico para um estado de tensão permanente (e ignorância). Um estado realmente aflito. Não? Olhem-se no espelho.
O objetivo de Carvalho não é defender ou atacar partidos, tampouco fazer juízo de valor às ideologias. De certa forma, ele apenas questiona tudo. Como qualquer filósofo socrático (ou platônico) o faria.
É enriquecedor ouvir suas palavras sobre leis, sociedade, obrigações e deveres, linguagem, consciência, pensamento, morte e também –claro– política.
De forma analítica, ele aponta o que se tornou a esquerda (e a direita) no país. Também deduz que houve uma ideologia “gramsciana” ocupando espaços culturais e midiáticos nos últimos anos.
Uma ideologia que atualmente, inclusive, renega origens dessa própria esquerda e seus antigos “ídolos”, como Raymundo Faoro.
No caso do impeachment de Dilma, é certeiro: “Entregaram uma cabeça, mas a trocaram por outra” que mantém o establishment, o status quo político (vergonhoso).
HOMEM LONGE DA NATUREZA
Num determinado trecho, Carvalho explica que a sociedade, especialmente a urbana, é como uma bolha de fantasia, porém que se toma como realidade final.
O sujeito vai passar um fim de semana no campo, diz o filósofo, e acha que está vivendo um momento de fantasia. Porém, quando volta ao trabalho na segunda-feira, acha que voltou ao mundo real.
Nada mais errado que se afastar da natureza. Ou insano. Mas insanidade se tornou a regra na sociedade atual.
O ser urbano, afirma, se afastou da única coisa real, a natureza, e está focado apenas em questões comezinhas, ou enredado em “fofoquices” (termo dele).
Na questão do pensamento, sua visão (até prova em contrário, correta) é que os seres humanos desconhecem completamente a origem daquilo que “papagueiam” o tempo todo sobre si mesmos e sobre o mundo.
E isso vale, consequentemente, sobre as ideologias.
Nesse sentido, a filosofia, o questionamento sincero da origem das ideias que nós consideramos nossas, são uma forma de “regressão” ou de “auto-psicanálise”. E de aquisição de uma maior consciência –esse sim um objetivo desejável.
A MORTE É PARA TODOS
De todos os conceitos de Olavo de Carvalho, 70 anos, sem dúvida um dos mais impactantes nestes tempos de egocentrismo é sua reflexão sobre a morte –única prova empírica de um futuro que espera a todos nós, sem exceção.
A morte já é um bom começo para se praticar e refletir sobre a filosofia, sentencia.
Para um autor que costuma ser ridicularizado por também ser astrólogo (“aposentado”), sua percepção da mediocridade e da finitude humana –que deveria ser óbvia a todos nós, mas não é– lembra inclusive um conceito do xamanismo pré-colombiano: A percepção constante da morte é a única forma de o ser humano deixar de agir como idiota.
Como obra, o filme do diretor Josias Teófilo é, além de cinema, um convite à reflexão.
Belo, honesto e bem-feito, é uma obra valiosa para o conhecimento humano. Exceto, claro, para uma parte da “esquerda” que jamais irá assisti-lo.
Filme: “O Jardim das Aflições”
Onde: Cine Belas Artes, às 18h (única sessão)
Avaliação: Ótimo ????
Assista ao trailer:
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