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Minhas redes

Entrevista: Carolina Malta, a “juíza dos bichinhos”

A juíza federal Carolina Malta, 38 anos

Entrei duas vezes no Twitter. A primeira foi em 2009. Mal fiquei 24 horas.

Não só NÃO entendi a rede como, para dizer a verdade, fiquei horrorizado.

Achei que o design do Twitter fazia nosso perfil parecer uma espécie de sala.

Nessa sala, a cada instante, uma pessoa diferente passa correndo e grita alguma bobagem sem nexo e vai embora.

Explico: eu era um “filho” do Orkut e do então incipiente Facebook, ambientes com interação quase imediata e muito mais amigável.

Caí fora.

Carolina Malta

A segunda vez que entrei no Twitter foi uns quatro anos atrás.

Por vários meses continuei achando seu design estranho e voltei a ponderar em sair.

Pensei: esta rede é boba, não me acrescenta nada. Nem mesmo é divertida.

Quando estava quase saindo, um amigo, já veterano e entusiasta do Twitter, me convenceu a ficar mais um pouco:

“Feltrin, espera! Você ama bichos, então pelo menos segue este perfil um pouco”, disse.

O perfil era o da doutora @carolinamalta

A foto do perfil tinha uma moça bonita, sorridente e muito jovial. Simpatizei na hora.

Em vez da infinidade de avatares, fotos de paisagens ou a do detestável “vulto” cinza de quem não tem coragem de mostrar a cara, vi ali um ser humano de verdade.

Meu amigo explicou que Carolina era juíza federal e que brincava postando vídeos engraçados com bichinhos e colocando neles legendas baseadas em linguagem jurídica.

Não sei se é verdade, mas me disseram uma vez que tem um dia “antes e depois” na vida de todo tuiteiro. Um dia que você decide ficar lá ou sair.

Pra mim aquele foi o “dia do fico”.

Dali em em diante passei a gostar e a entender um pouco mais o “espirito” do Twitter, e nunca mais parei de acompanhar as “novelas” jurídicas da juíza Carolina.

Suas histórias com cachorros, gatos, ovelhas, passarinhos, furões, porcos e outros adoráveis bichinhos viraram um hábito. Ela ganhou outra fã, minha mãe, que sempre pegunta:

“Não tem vídeos dos bichinhos jurídicos hoje?”

Encontrei naquele perfil a diversão que procurava. E também um neutralizador ou antídoto para a incrível violência e agressividade que vejo até hoje nessa rede social.

Se não fosse Carolina e mais um punhado de arrobas, já teria encerrado minha conta faz tempo.

Juíza, mãe, tutora

Carolina Malta tem 38 anos, e só pelos seus posts sei que é engraçada, criativa e muitíssimo inteligente (obviamente uma superdotada).

Também aposto que, se não fosse juíza, poderia muito bem ser roteirista do canal Animal Planet.

Casada com um também amante dos bichos e ex-criador de cães de grande porte, mãe, tutora de um cachorrinho, colaboradora ativa da proteção dos animais e do meio-ambiente, ela é um exemplo do ser humano, cidadã e profissional do século 21.

Nos tribunais por onde passou, os processos andam numa velocidade muitíssimo maior que nas demais varas no país.

Ela diz que é obcecada em fazer as ações tramitarem.

“Nunca admiti ter processos esperando alguma atividade do Judiciário por semanas, meses ou anos”, afirma na entrevista abaixo, que cedeu ao site Ooops.

A “juíza dos bichinhos” –como meu amigo a definiu anos atrás–, se torna hoje a 2ª pessoa entrevistada neste site.

A primeira foi com meu amigo pessoal e principal expoente do jornalismo científico do país, Salvador Nogueira).

Não conheço Carolina pessoalmente, é bom avisar.

Nas trocas de mensagens para “negociar” a entrevista já percebi que é modesta e pouco afeita aos holofotes.

Celebridade do bem

Eu insisti porque, queira ou não, ela é uma celebridade. Só no Twitter tem quase 75 mil seguidores.

Suas postagens geram diariamente centenas ou até milhares de comentários e chegaram a produzir perfis que apenas plagiam e copiam o que ela publica.

É paciente, amistosa e interage com a maioria absoluta dos seguidores que lhe dirigem um comentário.

Perto de outros perfis célebres, a doçura de seus posts faz com que tenha pouquíssimos “haters” (embora os tenha, por incrível que pareça).

Aliás, aqui cabe um aviso a esses odiadores digitais: apesar de não bloquear absolutamente ninguém, ela só não se incomoda com “haters” até um certo limite.

Cruzado esse limiar ela encaminha o ofensor às barras dos tribunais. Trate de arrumar dinheiro para arrumar um ÓTIMO advogado.

O pai, a irmã e o Murphy

Embora bem-sucedida e realizada profissionalmente, sua vida não foi um mar de felicidade.

Caçula de três irmãos, seu pai morreu jovem, quando tinha apenas 56 anos, de um infarto fulminante.

Ela conta que a família enfrentou tantos problemas com o inventário dele que isso a impulsionou ainda mais rumo à formação em Direito.

No mesmo ano em que a descobri no Twitter, ela perdeu a irmã mais velha.

Quando pergunto a Carolina quando ela começou a amar os bichos, ela diz que pergunto isso porque não conheci essa irmã, que partiu há quatro anos.

“Com minha irmã tive a oportunidade de conviver com todos os tipos de animais em casa: gato, cachorro, papagaio, periquito, passarinhos, tartaruga, peixes, pintinhos, hamster. Ela acolhia os animais dos vizinhos também”. relembra

A seguir, ela fala de sua infância, juventude, família, escola e carreira.

Fala também de Justiça, de meio-ambiente, de bichinhos e da necessidade de mudanças –e ampliação– nas leis que punem maus-tratos a animais.

Falando em bichinhos, ela faz um relato devastador e emocionante sobre um cachorrinho que marcou sua vida: Murphy.

Hoje ela cuida de outro cãozinho, Gregório de Matos (foto abaixo).

Juíza federal Carolina Malta e seu cãozinho, Gregório de Matos
Carolina e Gregório

A entrevista

Olá, doutora. Por favor, fale sobre sua infância, adolescência e família… Se tem irmãos e irmãs… Onde estudou, fez faculdade …

Carolina Malta – Sou a caçula de três irmãos. Éramos eu, minha irmã e meu irmão. Nossos pais se separaram quando eu era muito nova, mas sempre houve muita harmonia entre eles na criação dos filhos, de forma que a presença do meu pai sempre foi constante, apesar de ter ido morar em outra casa e se casar novamente.

Minha infância e adolescência sempre foram muito tranquilas e sempre fui obcecada pelo estudo e pela leitura desde muito nova.

Sempre me preocupei se não conseguia uma boa nota e me esforçava muito para recuperar. Estudamos toda a vida escolar no Colégio Boa Viagem, em Recife, Pernambuco.

Depois passei no vestibular para cursar Direito na Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco. Perto do final do curso, meu pai faleceu de forma abrupta, de infarto fulminante, aos 56 anos.

Eu e meus irmãos tivemos inúmeras dificuldades para resolver todos os problemas referentes a documentos, dívidas e bens deixados, o que me levou a antecipar matérias na faculdade para me formar o quanto antes, pois havia passado no concurso para procuradora federal no 7º período e não poderia deixar passar esta oportunidade.

Concluí o curso e colei grau em 11/12/2003. No dia 15/12/2003, tomei posse como Procuradora Federal da Advocacia-Geral da União em Brasília/DF e minha lotação foi Palmas/TO, sendo bastante difícil o afastamento da família.

Lá eu só pensava em estudar para passar no concurso que eu queria, da magistratura federal.

No ano seguinte, por coincidência no mesmo dia 15/12/2004, tomei posse como Juíza Federal Substituta do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e voltei para Recife/PE.

O sobrenome Malta é famoso no Nordeste. Você tem antepassados conhecidos?

Carolina Malta – É engraçado porque o sobrenome ficou famoso por causa do personagem “Sinhozinho Malta”, da novela “Roque Santeiro” (1985, TV Globo). Em muitas situações até hoje eu brinco quando me perguntam, dizendo que se trata do meu tio.

Sobre o sobrenome há uma lenda de que se trata de uma família única e minha avó paterna sabia toda a árvore genealógica, mas depois que ela faleceu nós perdemos essa fonte de informação.

Sei que tem ramificações da minha família com origem em Águas Belas/PE e outra parte que vem de Alagoas, mas não conheço os “Maltas” da origem. O meu contato é a partir da família que já estava estabelecida em Recife/PE e, assim, não tenho ninguém conhecido na família para mencionar.

Em que idade você decidiu que queria estudar Direito? E o desejo de ser juíza, veio quando?

Carolina Malta – Decidi estudar Direito com uns 13 anos, sem saber nem do que se tratava.

Ouvi falar na minha família que quem estudava Direito consegueria um emprego mais fácil e caí nessa ilusão, achando que, se fizesse este curso, os empregos iam bater na porta.

Felizmente, no primeiro período do curso, já percebi que teria que estudar muito se quisesse um lugar ao sol, especialmente em um ambiente tão concorrido como a Universidade Federal de Pernambuco naquela época.

Não sei se continua assim hoje, mas os melhores alunos de cada escola eram os únicos que conseguiam vaga na Faculdade de Direito do Recife e isso tornava aquele ambiente extremamente competitivo.

Você via notas 10 e 9,0 e raramente via um 8,0. Quando você tirava 8,0 se sentia muito mal, como se fosse o pior da turma.

As pessoas competiam por estágios, monitorias, bolsas para pesquisa científica e todos os alunos procuravam estudar muito, ninguém queria ficar para trás.

Quando eu estava no 5º período, lembro que já pensávamos nos concursos que íamos fazer. Eu fazia estágio em escritório de advocacia, mas queria algo mais estável e o contato com a Justiça Federal, vendo a qualidade das estruturas dos prédios, a qualidade dos servidores e dos juízes, me fez querer muito passar para a magistratura federal.

Então, procurei um estágio no Tribunal Regional Federal da 5ª Região e, na metade da faculdade, eu já focava nisso, já tinha separado o programa do último edital e já tinha começado a estudar com este enfoque.

Isso me levou a passar no concurso para Procurador Federal da AGU no 7º período e acelerou, sem dúvida, a minha caminhada.

Com um ano de formada, tinha conquistado este sonho, ressaltando que, naquela data, ainda não se exigia 3 (três) anos de atividade jurídica pelo bacharel em Direito. Esta exigência só entrou em vigor 15 (quinze) dias depois da minha posse.

Como era sua relação com bichos quando criança? Você sempre teve animais? Qual foi seu primeiro bichinho de estimação?

Carolina Malta – A obcecada pelos animais na minha casa sempre foi a minha irmã. Ela tinha algo que me falta: o impulso de sair resgatando todos e trazendo para casa.

Eu sempre fui mais racional e a minha forma de ajudar sempre foi mais calculada e refletida.

Com o convívio com a minha irmã, eu tive, assim, a oportunidade de conviver com todos os tipos de animais em casa: gato, cachorro, papagaio, periquito, passarinhos, tartaruga, peixes, pintinhos, hamster. Ela acolhia os animais dos vizinhos também.

Quando passou a morar em casa, ela passou a acolher os gatos e cachorros da rua e tinha um canil.

Eu sempre fui apaixonada pelos animais e agradeço demais por ter tido esse convívio de perto, mas, como disse, não tenho coragem de levar todos para a minha casa, pois não tenho estrutura emocional para encaminhar para outros lugares depois.

Então, a minha opção sempre foi não comprar cachorro, adotar e ajudar instituições que acolhem e resgatam.

Depois que a minha irmã faleceu em 2016, eu passei a reforçar esse trabalho de perto com as instituições como algo constante na minha vida e ajudo financeiramente.

Já fiz o trabalho de campo, prestando assistência de comida e água para os animais de rua, mas, por questão de segurança referente à minha profissão, não pude continuar.

Então, fico nos bastidores, dando suporte e assistência aos que fazem.

Como você lidou ou lida com a morte de bichos de estimação? Tem alguma história para nos contar sobre perda?

Carolina Malta – Sempre foi muito difícil aceitar esta perda. Para mim, a mais difícil até hoje foi a partida de Murphy, um cachorrinho que tivemos e que teve problemas nos rins e babésia, ao mesmo tempo.

Mas, o tratamento de um atrapalhava o outro (nota: babésia é uma doença transmitida por carrapatos, um tipo de protozoário e que infecta o sangue).

Depois de muito sofrimento, tivemos que sacrificá-lo e até hoje eu me lembro dele e sinto saudades.

Chorei pela partida dele mais do que chorei com muitos parentes meus que se foram, pois, quem ama muito os animais, consegue estabelecer com eles uma relação de amor incondicional.

Eles te amam e não pedem nada em troca, ficam felizes com a sua chegada, trazem alegria para a sua vida e, assim, fica muito difícil de viver sem isso quando eles vão embora.

A senhora é casada, né? Seu marido também adora animais?

Carolina Malta – Sim. Ele também adora, já foi criador de cachorros de grande porte, mas o clima de Recife (PE) e o tamanho do apartamento não permitem que os cães sejam tão grandes.

Ele me apoia em tudo que eu faço e considero que são projetos conjuntos.

Como juíza, você alguma vez julgou casos envolvendo maus tratos a animais? Se sim, pode citar algum? E a eventual pena?

Carolina Malta – Em face da divisão de competências penais, eu só atuo em casos muito específicos referentes a crimes ambientais, que são aqueles praticados em áreas de preservação permanente ou unidades de conservação ambiental.

É o caso, por exemplo, de crimes ambientais em Fernando de Noronha. Já tive casos de moléstias a animais, como aquela situação em que turistas tiraram um tubarãozinho da água para fazerem “selfies”.

Também houve um caso em que um pescador retirava polvos da água para mostrar aos turistas, ambos em Fernando de Noronha.

Não são da competência federal os crimes de maus tratados de cachorros ou gatos com que nos deparamos nos noticiários geralmente.

A pena atualmente prevista para o crime de maus tratos a animais é a do art. 32 da Lei 9.605/98, que estabelece pena de detenção, de três meses a um ano, e multa.

É uma pena ínfima que, na maioria dos casos, resulta em transação penal ou suspensão condicional do processo.

O acusado presta alguns serviços à comunidade e paga um valor como prestação pecuniária, não resultando em maiores consequências.

Recentemente houve aprovação de propostas de alteração de tal dispositivo para aumento do total da pena, no PSL 470/2018 e PL 11210/2018, mas não muda muito a forma de aplicação da norma e o cabimento de benefícios, como a suspensão condicional do processo, por exemplo.

É importante que o olhar do operador do Direito seja adaptado para a consideração, por exemplo, dos animais como seres sencientes, passíveis de dor e sofrimento, pois tais situações podem ser enquadradas como crimes violentos, afastando os benefícios penais.

É preciso a alteração das interpretações para podermos falar em alguma evolução na proteção dos animais.

Vi que você entrou no Twitter em 2012, e hoje tem quase 75 mil seguidores. Foi uma surpresa se tornar tão célebre? Pelo que pesquisei você está entre os(as) juízes(as) com mais seguidores no Brasil…

Carolina Malta – Foi uma surpresa enorme. Eu criei meu perfil no twitter em 2012, especificamente para divulgar o meu blog (www.rehabjuridico.com.br), em que eu ajudava as pessoas que queriam fazer o concurso para a magistratura.

Depois eu tive dificuldades de ficar atualizando o blog e deixei o twitter parado até o início de 2016.

Quando voltei a usar, eu percebi que tratar do Direito Penal com casos concretos não me era mais possível, por estar atuando nesta área, e que este tipo de matéria gerava brigas e discussões.

Especialmente porque já estava em um momento avançado a operação Lava Jato e as pessoas polarizavam o debate.

Como nunca tive interesse de me manifestar em público sobre questões políticas ou casos em andamento, pois acho que isso não cabe a um juiz, passei a falar de situações do cotidiano com aqueles vídeos e fotos dos bichinhos.

Ao falar de Direito Penal, vi que era um exercício muito interessante tentar tipificar a conduta dos bichinhos, pois esta atividade é muito difícil na prática.

Há uma série de normas aplicáveis e não é fácil enquadrar uma conduta em um determinado artigo.

Este treino com os animais trouxe muitos seguidores interessados pelos concursos e eles mesmos começaram a fazer e a me mandar para ver se o raciocínio estava correto.

Eu trato também de situações engraçadas do cotidiano e muitos passaram a interagir e se reconhecer nas situações. Eu procuro falar de forma leve e tento não ofender ninguém.

Creio que encontrei uma forma de comunicação que me permite interagir e me aproximar das pessoas sem atingir a minha atuação profissional.

Isso só tem me trazido alegrias e contato com pessoas, inclusive Ministros de Tribunais Superiores e artistas famosos.

A juíza e os bichinhos

Seu perfil é famoso porque você posta cenas de animais e as “descreve” utilizando artigos do direito penal e civil. Como é que surgiu essa ideia? Lembra a primeira vez que você fez isso?

Carolina Malta – Eu sou uma pessoa bem-humorada de forma geral e procuro levar a vida de uma forma mais leve, brincando com as situações.

Percebi, então, que poderia abordar temas áridos do direito, como é o caso do Direito Penal e do Direito Processual Penal, a partir de vídeos e fotos dos animais, tornando aquela abordagem mais leve.

Como falei anteriormente, tudo começou a partir da identificação dos crimes no comportamento dos animais e aí ficava engraçado no Twitter. Depois aquilo foi virando um exercício e um treino.

O lado bom dos animais é que as pessoas se despem da animosidade em relação à figura do réu e passam a enxergá-lo com empatia e a defendê-lo.

Então, ficava uma situação engraçada, pois eu os “julgava” de forma muito rigorosa e as pessoas corriam para defendê-los.

Depois fui variando os temas. Não se trata de um propósito nem nada específico. É uma forma de comunicação como qualquer outra, mas que me permitiu me aproximar das pessoas.

Felizmente, as pessoas em geral são inteligentes o suficiente para não confundirem uma brincadeira em rede social com a minha atuação profissional e me tratam com imenso respeito.

Eu fiz muitos amigos a partir do Twitter, da área do Direito e de inúmeras outras áreas, e trocamos muitas experiências e ideias. Isso melhorou minha vida substancialmente.

O sucesso foi tanto que hoje há perfis que até “plagiam” seus posts no twitter e no instagram, pelo que sei… Não uma pontinha de orgulho junto com a raiva? Han?

Carolina Malta – Na verdade, a maior parte eu nem fico sabendo. Eu acho engraçado porque há inúmeros perfis de sucesso no Instagram cujo “mérito” é apenas copiar tuites que viralizam.

Não sei como as pessoas têm coragem de construir uma página assim, mas eu tiro por menos. Já tenho uma série de problemas verdadeiros para resolver… rs.

Como você consegue conciliar o trabalho de juíza (que não é nada fácil) e responder a praticamente todas as pessoas no twitter?

Carolina Malta – Eu sempre fui obcecada pelo meu trabalho e pela gestão da minha vara. Nunca admiti ter processos esperando alguma atividade do Judiciário por semanas, meses ou anos.

Então, desde que ingressei na Justiça, em 2004, passei a estudar sobre gestão e consegui formar uma equipe de servidores extremamente competente e vocacionada.

A pessoa que escolhi para ser meu diretor de secretaria é um gestor nato e, com isso, mantemos o acervo de processos rigorosamente em dia.

A vara de Juizados Especiais Federais de que fui titular em Caruaru tinha uma média de tramitação de 50 dias, o que chegou a ser destacado pelo pelo Conselho Nacional de Justiça.

Já tive situações de ir atuar em uma Vara com mais de 3.000 processos em andamento e entregá-la com menos de um terço deste acervo, com todos os processos andando nas posições em que deveriam estar.

Ou seja, aguardando os prazos e diligências peculiares do curso do processo, sem qualquer atraso do Judiciário.

Um processo pronto para decisão não espera mais do que um ou dois dias para ser julgado na minha vara.

Quando há uma espera maior do que essa decorre da complexidade do caso, do número de réus e crimes envolvidos, mas tenham certeza de que estou trabalhando neste processo todos os dias até entregar.

Já tive um caso assim que passei quinze dias julgando e foi a maior pena que apliquei até hoje. Passei três dias só fazendo a dosimetria (o cálculo do total) da pena.

Então, nos momentos em que estou fora do ambiente de trabalho, posso interagir no Twitter com a certeza de que meu trabalho está em dia e regular e faço questão de responder às pessoas que me procuram.

Como falei, tenho amigos verdadeiros que conheci lá e preciso desse contato humano para evoluir como pessoa e como juíza.

O cãozinho Murphy

Podia nos contar qual foi o momento mais bonito que já presenciou com um bichinho e qual o mais triste?

Carolina Malta – O mais bonito e mais triste foi quando meu cachorrinho Murphy estava na fase final da doença e ia todos os dias para a clínica tomar soro e medicamento venoso.

Não quisemos deixá-lo lá durante as noites e íamos todos os dias passar o dia lá.

Um dia, pouco antes de seu falecimento, lembro dele caminhando para mim, se arrastando em cima da sua caminha, com um olhar de quem não aguentava mais aquilo.

Eu recebi aquele pedido de socorro como se ele tivesse falado.

Eu confesso que nunca vou me recuperar plenamente desta perda, pois as pessoas e os animais que perdemos também nos marcam profundamente e carregamos as lembranças ao longo da vida.

Este episódio ocorreu há mais de 12 anos e eu me recordo como se fosse hoje.

Celebridade jurídica

Já vi postagens de pessoas que vão ao Recife, reconhecem você em eventos ou publicamente e postam fotos visivelmente emocionadas (é um dos meus sonhos, aliás, rs). Como você se sente?

Carolina Malta – Nossa, eu fico muito feliz, radiante mesmo. Faço questão de encontrar e de tirar uma foto, caso a pessoa queira.

Sempre que me falam que me conhecem do Twitter eu procuro saber qual o perfil da pessoa e sigo de volta.

Eu gosto muito deste contato e só recebo carinho de quem procura se aproximar de mim. Procuro retribuir com muito carinho e atenção de volta.

É uma das minhas maiores alegrias depois que o meu perfil ficou mais conhecido.

Penúltima pergunta, e tenho que falar sobre essa “raça”. Notei que você não tem muitos “haters”. Acha que é por causa da fofura das postagens ou pavor pelo fato de que você é juíza?

Carolina Malta – Olha, apesar de eu não agredir ninguém e procurar não me envolver em brigas em rede social, eu tenho muito mais “haters” do que gostaria.

Eles parecem poucos porque eu adoto uma estratégia de nunca respondê-los e, assim, não dou publicidade para certos comentários.

Muitas vezes eu percebo que o comentário raivoso vem de alguém com número ínfimo de seguidores, de forma que, se eu responder, quem estará dando publicidade àquilo sou eu e não a pessoa.

Eu não sei, sinceramente, se a pessoa fala aquilo intencionalmente, por acreditar naquela fala, ou se faz para gerar interação e tornar o perfil mais conhecido.

Há muitos ataques à figura do juiz, como se todos os juízes fossem marajás e preguiçosos.

Há ataques à minha figura como mulher bem sucedida profissionalmente, havendo comentários de quem não aceita ou não acredita nisso, procurando apontar algum problema na minha vida pessoal.

Há ataques até aos cachorrinhos e ao fato de falar sobre o Direito Penal, sendo pessoas que não enxergam uma brincadeira.

Há manifestações de inveja em muitos casos também.

Eu não respondo nenhum deles e me limito a excluir a pessoa do meu rol de seguidores e a colocar em mudo.

Não bloqueio absolutamente ninguém, pois meu perfil é público e sempre estará lá à disposição para quem quiser ver.

Ignorar é a melhor tática que encontrei para não conferir holofote a esse tipo de pessoa ou de comentário.

Agora, os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) são devidamente enviados para apuração pela polícia.

A liberdade de expressão encontra limites e estes são intransponíveis.

Quando o comentário passa a configurar crime, mesmo que eu não responda na rede social, a pessoa encontrará a resposta adequada pelos órgãos de persecução criminal.

Última: como tantos juízes, você também sonha um dia ser nomeada para o STF?

Carolina Malta – Sinceramente, eu acredito que é uma exceção um juiz de primeiro grau que sonha em ser nomeado ao STF.

Os juízes de primeiro grau que lidam com um acervo absurdo de processos, com audiências diárias, julgamentos, decisões urgentes e despachos, respondendo por inúmeras outras varas, não cogita que possa sequer ser promovido ao Tribunal imediatamente acima dele, que primeiro julga os recursos dos seus processos, muito menos aos Tribunais Superiores.

Infelizmente, as formas de progressão na carreira para um juiz passam, necessariamente, por um aspecto político que o juiz não está disposto ou não possui vocação para cumprir.

Ressalto que não estou atribuindo a este perfil político qualquer caráter pejorativo. É só uma constatação de fato.

Então, são poucos, do total existente, que trabalham para cumprir este requisito e, quando fazem, vão subindo na carreira lentamente, sendo absolutamente improvável uma nomeação ao STF, que sequer exige que a pessoa tenha sido juiz ou tenha composto qualquer outro tribunal anteriormente.

Então, não tenho esta pretensão.

Meu desejo é só fazer meu trabalho de forma cada vez melhor a cada dia, sem qualquer atraso e com qualidade. Se isso estiver cumprido, a meta diária está atendida e me sinto plenamente realizada.

Conheça o site Ooops, do jornalista e músico Ricardo Feltrin (twitter)

O perfil de Carolina Malta no Twitter

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