Quer mais conteúdo?
Minhas redes

Vida é a coisa mais inexplicável de todas, diz repórter científico

Entrevista com o jornalista científico Salvador Nogueira, por Ricardo Feltrin, site Ooops

Com Salvador Nogueira, repórter científico, o site Ooops inaugura hoje mais um conteúdo: ocasionalmente farei entrevistas exclusivas com personalidades de todos os setores e temas que eu goste e me interesse. Afinal, o site é meu.

Mas, minha intenção é ouvir especialistas sobre temas humanos. Temas filosóficos, religiosos, científicos e também esotéricos. Serão entrevistas de grande fôlego ao menos. Em outras palavras, longas.

Salvador é o escolhido para a estreia porque é meu jornalista preferido, o único no Brasil que cobre quase todas as coisas que acho importante.

Quando tem texto novo do Salvador na Folha de S.Paulo, sempre sei que vou aprender alguma coisa. Seu texto é preciso e tem um humor fino. É preciso ser um gênio para fazer sarcasmo com ciência.

Salvador escreve sobre assuntos que mais me fascinam desde a infância: espaço, astronomia, física (e filosofia).

Deixem-me fazer uma ‘ego remember’: quando eu tinha cinco anos entrei no 1º ano da escola fundamental. O comum era com seis ou sete.

Meu pai ficou tão feliz que me deu um telescópio. Já fazia uns dois anos que eu estava pedindo.

Poucos meses depois, em 1969, eu ainda teria a honra de passar semanas em estado hiperativo acompanhando o homem voar e pisar na redonda Lua (curioso que terraplanistas quase não falam sobre ela ?)

Eu me considero da geração Nasa, portanto. Passaria toda a infância e puberdade desenhando foguetes, em vez de casinhas.

Também quase coloquei fogo na casa da família com meus experimentos iniciais com pólvora como combustível, mas não vamos fugir do assunto.

Infelizmente nunca trabalhei diretamente com Salvador, esse escritor, repórter e escritor tão didático e talentoso.

Entrevista com Salvador Nogueira

Na entrevista a seguir o jornalista de 40 anos, vai falar longamente sobre universo, leis da física, mistérios da natureza, filosofia, cosmologia, fantasmas e muitos outros assuntos.

Como entrevistador, no entanto, o grande “furo jornalístico” desta entrevista foi saber que no ginásio Salvador Nogueira, o Grande, ficou de recuperação em… ciências! ?

Sua paixão por astronomia acabou sendo genuína e individual. Afinal, como ele brinca, seus pais são “pessoalzinho de humanas”.

Veja a seguir a entrevista na íntegra

Em primeiro lugar quero saber porque virou repórter de ciência e se especializou em astronomia, espaço, física etc. Tem uma ligação do seu pai com tudo isso também, ou estou enganado?

Salvador Nogueira – Sim, tem uma ligação com meu pai. Ele é advogado e eu quis fugir desse destino com todas as minhas forças. Hehehehehe!

Não, falando sério, em casa meus pais nunca foram particularmente inclinados para a ciência.

Pessoalzinho de humanas mesmo, como eu também, no fundo, me considero. Mas sempre tive uma paixão por astronomia e espaço.

Não sei dizer de onde ou por quê. Simplesmente tinha. Minhas primeiras lembranças “espaciais” vêm da passagem do cometa Halley, em 1986, e tem gravações de áudio da época comigo falando de gente como Isaac Newton e Edmond Halley…

Então eu já era fissurado pelo assunto na ocasião aos 7 anos. De lá para cá, os sintomas só pioraram (risos).

Meus pais sempre foram superficialmente interessados por ciência, mas acho que a maior participação deles nesse legado foi o instigar do pensamento livre, da cabeça aberta, da paixão pelos livros e pelo conhecimento de uma forma geral.

Os dois são advogados, minha mãe com formação adicional em filosofia, a prima mais velha da física. Então, ter crescido nesse ambiente certamente ajudou.

Em paralelo, também sempre gostei muito de escrever.

Fazia histórias em quadrinhos com personagens próprios quando criança, fiz gibis de sátiras no ensino médio para circulação na escola em que eu estudava e a aproximação com o jornalismo foi meio que o encaixe natural de quem não sentia, então aos 17 anos, um encaixe muito natural com nada.

E por muito pouco não abandonei o jornalismo. Passei dois meses, em 1999, na então nascente Folha Online (hoje Folha.com), mas aquele negócio de ligar no sábado pra saber se tinha acidente na rodovia Anchieta (nota: a tradicional ronda policial dos plantões de fim de semana) não era muito minha praia, e acabou não dando certo.

Surgiu uma segunda chance na Folha, no começo de 2000, desta vez para a editoria de Ciência.

Na minha cabeça, fui disputar a vaga com aquela mentalidade de “se não der certo, largo essa coisa toda de jornalismo”.

E aí passei os sete anos seguintes na Folha, fazendo cobertura de ciência, algo que eu amava e ainda amo. Dei sorte. Por pouco não fui um ex-jornalista frustrado.

Tenho de perguntar: você deve ter sido o típico CDF desde o primário, estou certo? Só notas altas, 10 em matemática, física… Ou estou errado?

Salvador – Nah, bem diferente disso. Meu negócio era jogar bola. No primário, de fato, não tinha graça. Era só notão.

Mas, quando entrei no ginásio (hoje fundamental 2), senti o baque,a mudança de tom do bagulho, a cobrança maior. E demorei a me adaptar minimamente.

Passei praticamente o primeiro bimestre inteiro matando as aulas de matemática pra jogar futebol. Meu pai chegou pra mim e falou, “ó, desse jeito você vai bombar por falta, não tem condição”.

Tive de começar a frequentar as aulas. Nas provas, nessa época, até que eu segurava; mas meu conceito era péssimo, desapreço total por lição de casa.

Aí, naquele fatídico bimestre da 5a série, tirei 10 na prova de matemática e fiquei com zero de conceito, que tinha um baita peso na escola em que eu estudava. Terminei com 5 no bimestre.

Naquele ano, fiquei de recuperação… não em matemática, mas em música e, pasme, CIÊNCIAS.

Daquele ponto em diante, aprendi que recuperação era uma má ideia. Mas só fui ficar mais estudioso mesmo depois. Fui matriculado no (prestigioso) Colégio Bandeirantes. Era tudo que eu NÃO queria.

A ideia de ter de se matar de estudar (a fama do colégio era essa!) tinha zero a ver comigo. Mas, a diretora da escola anterior tinha dito que eu tinha “perfil Bandeirantes”, fiz o vestibulinho e passei…

Salvador Nogueira em 1996, época de vestibular
Salvador Nogueira em 1996, época de vestibular

Fui morrendo de medo. Mas fui. E foi uma experiência ótima. Gostei muito de ter estudado lá e hoje tenho grande apreço pelo colégio. É aquela coisa de “sair da zona de conforto”. Funciona mesmo. Às vezes. hehehe…

Vamos às perguntas “exteriores”: Para começar, você acredita na existência de vida em outros planetas? De 0 a 10, que chance você daria para que a resposta seja sim?

Salvador – Acho que há muitas razões para acreditar que sim.

A química para a vida parece estar em todo lugar, e estudos preliminares, tanto com experimentos em laboratório como em observações mais cuidadosas de alguns dos fascinantes astros do nosso Sistema Solar, como Marte, Europa e Encélado, sugerem que pelo menos alguns dos passos que preenchem o (ainda misterioso) caminho entre a química precursora da vida e as primeiras moléculas autorreplicantes são triviais.

Como não sabemos exatamente todos os passos para a formação da vida, ainda não dá para cravar 10. Mas eu imagino que a resposta seja muito próxima de 10.

Porque mesmo que exista aí alguma permutação raríssima até a primeira molécula autorreplicante, o número de ambientes no universo em que essa reação química pode ter acontecido é tão absurdo que seria muito maluco pensar que só rolou aqui.

Entra em cena o princípio copernicano, também chamado de princípio da mediocridade: já sabemos que a Terra em si não ocupa um lugar especial ou tem uma composição especial no cosmos.

Achar que, ainda assim, um processo químico determinado só aconteceria aqui, a despeito de poder ter acontecido em incontáveis outros planetas, é pensamento mágico.

Então, fugindo da resposta científica padrão (que deveria ser “não sabemos, prefiro não especular”), vou me arriscar com minha opinião pessoal e mandar aí um 9,999 (e você escolhe quantos noves quer colocar depois da vírgula, estarei à vontade com qualquer quantidade).

Você acha que exista vida extraterrena e ela seria mais ou menos desenvolvida e inteligente que a humana?

Salvador – Bem, aqui a questão é mais complexa. Pau que bate em Chico bate em Francisco.

A Terra tem 4,5 bilhões de anos. Desse tempo todo, a vida seguramente existiu por aqui por uns 4 bilhões de anos.

A evolução vem agindo incansavelmente desde então, produzindo as mais variadas formas de vida (e aqui vamos com evolução no sentido biológico, que não quer dizer sofisticação ou inteligência gradualmente maior, mas quer dizer melhor adaptação ao ambiente, maior capacidade reprodutiva).

Em três quartos desses 4 bilhões de anos a Terra foi habitada exclusivamente por criaturas unicelulares. Bactérias, ou aquelas formas de vida que eu acho o máximo, mas a maioria das pessoas não se comoveria tanto se fossem encontradas em Marte (todo mundo quer homenzinhos verdes!).

Animais, fungos e plantas só tiveram 1 bilhão de anos para começar sua jornada por aqui, e a linhagem humana só veio a existir porque um asteroide aleatório matou os senhores da Terra: os dinossauros, há 65 milhões de anos, deixando caminho livre para pequenos animais mamíferos ocuparem os espaços que antes eram dos gigantes.

Nossa linhagem só divergiu dos chimpanzés (incrivelmente humanos, mas ainda assim não seriam classificados como “tão inteligentes quanto humanos”) uns 12 milhões de anos atrás, e o atual modelo, Homo sapiens, tem só uns 200-300 mil anos.

É uma ninharia de tempo (em termos universais). E, no entanto, já estamos aqui lidando com uma tonelada de ameaças existenciais de nossa própria criação, de guerra nuclear a mudanças climáticas passando por inteligência artificial, que se somam aos riscos astronômicos, colisão de asteroides, detonação de supernovas etc.

Sabemos que a vida em si é muito resiliente. É muito, muito, muito difícil esterilizar completamente a Terra.

Em compensação, exterminar 70, 80, 90% das espécies parece ser excessivamente fácil, como várias catástrofes ocorridas no último meio bilhão de anos demonstram.

E estamos agora no começo de uma nova grande extinção em massa, que pode ou não nos incluir.

Quero acreditar que não, mas seria ingênuo dizer que espécies inteligentes são mais resilientes que bactérias unicelulares. Este planeta sempre foi e sempre será das bactérias.

Se visitarmos a Terra uma vez a cada 1 bilhão de anos, do começo de sua existência até a morte do Sol, em 8 ocasiões encontraremos só micróbios, em 2 ocasiões veremos formas de vida mais complexas e vamos precisar de uma baita sorte mesmo para que a visita aconteça durante a existência de uma civilização inteligente.

Então é assim: se formos fazer um censo dos planetas habitáveis espalhados pelo universo, eu apostaria que a esmagadora maioria deles vá ter formas de vida com nível de inteligência menor que o nosso.

Também ainda falta entender quais são os gatilhos que levam a esses saltos evolutivos (de unicelulares para pluricelulares entendemos um pouco, mas não inteiramente, e de animais para animais tecnológicos, a compreensão é perto de zero) e qual é o nível de aleatoriedade envolvido.

Quando você coloca tudo isso na equação, é difícil avaliar as chances reais de haver vida inteligente e tecnológica lá fora.

O número de oportunidades é esmagador, de forma que não seria ‘irrazoável’ supor que alguns lugares cheguem a ver o surgimento de espécies inteligentes em algum ponto da existência de seus planetas.

Mas aí ainda precisaríamos que essa existência coincidisse com a nossa no tempo.

No fim das contas, como concluíram Carl Sagan e Frank Drake lá nos anos 60, a coisa se resume a uma pergunta: qual é o tempo médio de vida de uma civilização tecnológica?

Se civilizações tecnológicas forem longevas, mesmo que as ocasiões em que elas surgem sejam raras (e a história da Terra, princípio copernicano, sugere que são), aumentam muito as chances de que elas existam por aí no presente momento.

E aí, naturalmente, tendem de fato a ser muito mais desenvolvidas que a gente (estamos supondo uma longevidade média alta, comparada à nossa civilização tecnológica, que é bem modesta, seja você pensando nos 200 mil anos do Homo sapiens ou nos 70 anos em que nos tornamos de fato “tecnológicos” do ponto de vista interestelar, com capacidade de comunicação interestelar via rádio).

Por outro lado, se civilizações tecnológicas forem, em média, efêmeras, a chance de encontrarmos uma cai dramaticamente, e aí, se por um golpe incrível de sorte, acharmos alguém, tende a ser menos avançada que a gente.

Ou seja, aqui é muito difícil fazer um palpite minimamente informado na escala 0 a 10.

O que eu posso dizer é que a chance é 10, em princípio, de que uma civilização atinja um estágio tecnológico superior ao humano.

Tem muita coisa pra aprender que a gente não sabe ainda. Agora, tudo depende de essas civilizações serem sábias e sobreviverem até lá.

O que deixa a pergunta no ar: seremos nós sábios o suficiente para testarmos todas essas premissas? Quão longeva será a nossa civilização tecnológica? Deixo essa pergunta como lição de casa para nossos leitores ?

Às vezes penso que, se existirem, são mais inteligentes, uma vez que não fazem contato. Não ao menos contato público…

Salvador – Aqui entra uma segunda coisa que é presumir que eles teriam reflexos intelectuais similares aos nossos.

Contatar ou não contatar é um dilema particularmente humano. Não sei sequer se civilizações alienígenas fazem alguma inflexão sobre o tema “contato interestelar”.

Estou sendo jocoso…?

Salvador – E lembremos que nossas tentativas de contato com seres do nosso próprio planeta até hoje atingiram resultados bastante limitados.

Nossa tendência é pensar que isso acontece porque esses animais não são inteligentes/sofisticados o suficiente.

Mas, talvez eles sejam apenas diferentes. Se temos dificuldade de entender o que se passa na cabeça dos primos, o que dirá de pessoas que nunca tiveram nada a ver com a gente?

A aposta dos entusiastas da Seti (instituto e projeto mundial que busca vida no espaço) é que a ciência e a matemática possam fornecer linguagens comuns para um primeiro contato.

Mas, é difícil avaliar quão razoável é essa premissa. Lembremos o lance da evolução: não é sobre fazer criaturas mais inteligentes, é sobre fazer criaturas mais adaptadas.

Talvez o tipo de inteligência requerido para um dilema de contato não seja o que evoluiu em outros planetas, o que não impede que esses caras sejam em princípio mais inteligentes que a gente em outras coisas.

Vi recentemente um experimento maravilhoso que mostra que macacos são mais rápidos em trocar uma estratégia de jogo por uma mais eficiente do que humanos. É um chute na bunda da nossa suposta “inteligência”.

Os bichos aceitam a ideia de pegar um atalho num jogo com muito mais facilidade que a gente, que se apega muito a uma estratégia “testada e que deu certo”, ainda que não seja a melhor estratégia possível.

Ajuda a explicar por que até hoje a gente ainda carimba e assina tanto papel por aí…

A vida toda a gente aprendeu na escola que nada no universo pode superar a tal da velocidade da luz (300.000 km/s), certo? No entanto, recentemente tenho lido por aí artigos falando que, ora veja, que talvez no “suposto” big bang algum fenômeno poderia, sim, ter ultrapassado essa velocidade. E que isso também ocorreria no momento da explosão de uma bomba atômica ou nuclear… Ou seja, que pode existir algum fenômeno mais veloz que a velocidade da luz. Estou interpretando tudo errado ou é isso mesmo?

Salvador – Bem, vamos lá. A relatividade diz que nada pode ultrapassar a velocidade da luz no vácuo.

E, apesar de esse ter sido um postulado de Einstein, ou seja, uma ideia que ele assume como verdadeira, em vez de provar como verdadeira, todas as conclusões que ele tirou a partir disso até hoje se mostraram corretas, o que dá muita força para a ideia de que a premissa está certo: a luz é a coisa mais rápida que existe no vácuo.

Agora, veja, a mesma teoria sugere que o espaço é flexível e pode se expandir e se contrair (com efeito, pela relatividade geral, o mais complicado, precário e instável é ele ficar estático; a tendência é estar em expansão ou em contração na imensa maioria das circunstâncias).

Então você pode ter dois objetos que, no vácuo, estão se deslocando a velocidades muito modestas, mas ainda assim se afastam mais depressa que a luz porque o vácuo entre eles está se expandindo num ritmo que permite isso.

Com efeito, é o que está acontecendo agora entre nós e os objetos mais distantes que podemos ver no universo.

Como o espaço entre nós e eles está se expandindo, eles acabam se distanciando de nós mais depressa que a luz poderia percorrer o caminho.

O que significa que, no futuro, esses objetos não serão mais visíveis, porque a luz deles jamais poderá chegar até nós.

Sabemos que, se a expansão cósmica continuar na atual toada, no futuro longínquo, teremos só a nossa galáxia (falo nossa, mas entenda que será um lugar em que a Terra não existe mais, e a galáxia será o fruto da colisão da Via Láctea com várias galáxias próximas) em todo o universo observável, todo o resto tendo “fugido” da nossa visão.

A tristeza seria grande para os cientistas desse futuro longínquo. Eles seriam incapazes de dizer, por exemplo, que o universo nasceu num Big Bang e que está em expansão, por falta de referências de onde extrair essas observações.

O que mostra que vivemos numa época relativamente “jovem” do universo, em que muitas das evidências do seu começo quente e denso ainda estão à disposição de nossos instrumentos.

E, claro, nos faz pensar que outras evidências já podem ter sido apagadas pelo tempo que transcorreu até aqui, dificultando nossa compreensão?

Talvez algumas peças do quebra-cabeça já tenham sido irremediavelmente perdidas. Mas, olhando para o atual estado da cosmologia, dá para dizer que temos um bom número de peças à mão.

O mesmo não se poderá dizer de civilizações vivendo num futuro longínquo, daqui a trilhões de anos (o universo é um jovenzinho de 13,8 bilhões de anos).

Agora, a outra referência a que você faz é sobre observações de jatos superluminais, ou seja, que parecem exceder a velocidade da luz.

São disparos de alta energia de certos objetos cósmicos (como buracos negros) que parecem viajar por seu meio mais depressa que a velocidade da luz no vácuo.

Mas, tenha em mente que isso só acontece em meios materiais por onde os jatos viajam (não num vácuo puro).

Experimentos em laboratório mostram que isso é mesmo possível, mas não há violação da relatividade, embora você possa ter efeitos muito loucos, como um raio de luz que parece chegar em algum lugar antes de ter saído.

O Google acaba de fazer um experimento real com computação quântica. O que isso significa grosso modo? Que está confirmada a existência de dimensões coexistentes na “realidade” que enxergamos? Porque ao menos nesse experimento os cientistas conseguiram colocar “algo” em três lugares ao mesmo tempo: um dado ser ao mesmo tempo: zero, um e zero e um. Corrija-me se eu estiver falando asneira…

Salvador – O experimento é fantástico e indica que computadores quânticos não são só uma abstração teórica, mas podem de fato ser construídos e usados para realizar cálculos que computadores clássicos não seriam capazes de realizar.

Isso porque os quantum bits (qubits, para os íntimos) podem, como você mesmo menciona, estar em vários estados ao mesmo tempo.

É um dos mistérios mais intrigantes da mecânica quântica: uma partícula está numa sobreposição de todos os estados possíveis para ela até que você faça um experimento para medi-la, e aí ela se decide, de forma apropriada, de acordo com o tipo de experimento que você realizou.

Em essência, é uma sugestão de que a realidade não está “definida” até que alguém a observe, e é algo com que se pode conviver quando falamos de partículas elementares, mas se torna mais tortuoso se pensarmos que efeitos quânticos podem emergir na nossa vidinha macroscópica newtoniana.

O famigerado computador quântico do Google
O computador quântico do Google

Existe um fenômeno chamado emaranhamento quântico, em que você pode meio que entrelaçar as propriedades de uma partícula às de outra (ou mesmo de um objeto macroscópico), e esse sistema estará em sobreposição de estados até que seja feita uma medição.

É o famoso experimento mental do gato de Schrödinger (nota: um paradoxo, uma experiência mental criada pelo físico austríaco Erwin Schrödinger em 1935).

Se a vida de um gato no interior de uma caixa depende de uma partícula passar por um espelho semitransparente, para ele viver, ou ser rebatida por ele, para ele morrer, e não sabemos o que a partícula fez, o gato está vivo ou morto?

Se o experimento não mediu o estado da partícula, ela está em sobreposição e, ao mesmo tempo, atravessou e não atravessou o espelho.

Portanto, o gato estaria vivo e morto ao mesmo tempo. Pelo menos até alguém abrir a caixa, o equivalente de medir o que houve com a tal partícula.

Os computadores quânticos se aproveitam dessa “indefinição” para realizar cálculos, e o experimento do Google fez uma coisa aparentemente simples (gerou uma sequência de números aleatórios), em 200 segundos.

Mas o mesmo processo num computador convencional, dizem eles, levaria 10 mil anos.

Então, é a prova de princípio de que computadores quânticos podem entregar a promessa que a teoria sugeria que eles poderiam.

Agora, o que isso diz sobre realidades paralelas? Esse é o drama da mecânica quântica: ela te dá o fenômeno, ó, partículas elementares funcionam assim, a realidade em seu nível mais fundamental é desse jeito e câmbio.

Como diz o Neil deGrasse-Tyson, o universo não tem a menor obrigação de fazer sentido para você. “Deal with it”.

Agora, claro, pessoas não tão conformadas quanto o Neil tentam achar um sentido para essas coisas. E uma das possibilidades é a chamada “interpretação dos muitos mundos” da mecânica quântica.

Ela sugere que, na verdade, quando você abre a caixa do gato de Schrödinger e vê que diabos aconteceu lá, você força a partícula a se decidir por seu estado, e isso vai gerar dois universos paralelos, um em que o gato morreu e outro em que o gato viveu.

Em suma: por essa interpretação da mecânica quântica, o fenômeno da sobreposição de estados na verdade reflete um fenômeno da sobreposição de realidades paralelas, em que cada uma delas reflete um estado possível da partícula.

É uma ideia tão fascinante quanto metafísica.

Não há, até onde eu sei, qualquer meio de testar. Estamos limitados sempre a uma única realidade, e se há outras paralelas, com os “caminhos não tomados”, isso dá boa ficção científica, mas não tem consequências práticas para nós.

O que não deixa de ser interessante.

A mecânica quântica tem muitas dessas coisas, que se você começa a parar para pensar, começa a duvidar da própria realidade objetiva do universo.

O que significa, por exemplo, que partículas emaranhadas não ligam para o espaço e para o tempo, e agem como se fossem um sistema contíguo, não importa a que distância estejam?

Einstein chamou isso de “ação fantasmagórica a distância”, desdenhando de sua realidade. Mas o fenômeno é real.

E será que, se o fenômeno é real, o espaço e o tempo é que não são reais? Seriam eles artefatos de percepção? Ou ainda criações não fundamentais, ou seja, apenas efeitos colaterais de uma realidade quântica totalmente diversa? É de fritar o cérebro.

Vou ser bem claro: você acredita na existência de dimensões coexistentes? Na existência do multiverso ou de universos paralelos etc?

Salvador – Acho que uma visão conservadora de multiverso é inevitável, pelo que já falamos da expansão cósmica.

Com o tempo, partes do universo ficam tão distantes umas das outras que podem ser vistos como universos não contíguos.

Já que a luz de lá nunca chega até aqui, não há como haver causalidade entre lá e cá. É como se fossem universos separados, para todos os efeitos práticos, embora tivessem uma origem em comum.

Agora, a coisa da “interpretação dos muitos mundos” esbarra no fato de que não há qualquer evidência ou mesmo possibilidade de obter evidências de sua existência.

Ou seja, podem existir incontáveis universos paralelos e jamais saberíamos que existem. O que equivale a dizer que, para todos os efeitos práticos, tanto faz.

Então não perco muito tempo pensando se existem realidades paralelas. Linhas paralelas jamais se encontram, não é isso?

Perguntei acima se acredita na existência de vida extraterrena. Pergunto agora: acredita ou já pensou também na existência de vida “extra-dimensional”?

Salvador – A coisa vai ficando mais e mais esotérica… Vamos lá, o que significa extradimensional? Que não está nas nossas dimensões espaciais clássicas, comprimento, largura e altura.

Vamos dar um passo atrás. É possível haver outras dimensões? É.

Há matemática para descrever um universo com quantas dimensões você quiser. E, claro, essa matemática também nos permitiria inferir efeitos mensuráveis dessas dimensões extras.

Então, podemos testar a existência de dimensões extras. Até hoje, nenhum efeito foi detectado, o que restringe a existência dessas dimensões extras a um tamanho e uma geometria muito diferente (e menor) do que a das dimensões tradicionais.

Com efeito, a teoria das supercordas se sustenta na ideia de que haveria dimensões extras, mas tão pequeninas, enroladas sobre si mesmas, por assim dizer, que não conseguimos enxergar.

Pois bem. É possível haver vida numa dimensão extra pequenininha e enrolada sobre si mesma? Vamos primeiro definir vida. E aqui já temos um problema. O que é vida?

A definição operacional mais comum, derivada pelo pessoal da Nasa, com participação do Carl Sagan, diz que vida é um “sistema químico autossustentado capaz de passar por evolução darwiniana”.

É uma boa definição para o que conhecemos.

Separa bem uma estrela (um sistema químico autossustentado) de uma bactéria (capaz de evolução darwiniana).

Seguindo essa linha, teríamos de nos perguntar se numa dimensão extra enrolada seria possível existir um sistema químico autossustentado capaz de evolução darwiniana. Meu palpite seria não.

Mas, ainda que a resposta fosse sim, veja, os cientistas já têm uma enorme dificuldade para testar a existência de dimensões extras.

Imagine medir fenômenos ocorrendo no interior dessas dimensões extras. Certamente teria de ser química diferente da que se manifesta nas três dimensões conhecidas, e aí entramos mais uma vez no terreno da ficção científica.

Seria preciso evocar fenômenos e processos desconhecidos. Então, de novo, não perco muito tempo pensando em vida “extradimensional”.

Aliás, acho que essa é parte da minha atitude com relação à vida, de uma forma geral. Eu sou intelectualmente curioso, mas convivo bem com o mistério.

Entender por que é tão difícil obter certas respostas também traz uma certa paz de espírito.

Você pode relaxar num estado de agnosticismo honesto, do tipo: tenho informações suficientes para saber que provavelmente nunca saberei a resposta para algumas perguntas.

E tudo bem. O desconhecido não me oprime, nem me instiga a preenchê-lo com ficção científica ou fantasia…

Vou repetir: crê que existam universos que não temos contato ou que não possamos ver?

Salvador – Acho que já respondi isso. Sim, uma galáxia na beira do atual universo observável já está a essa altura (lembre-se, levou 13 bilhões de anos para a luz vir de lá até aqui, o que significa que estamos vendo-a como era 13 bilhões de anos atrás) mais longe do que poderemos ver.

A luz que sai dela hoje jamais chegará à Terra. Temos só a visão passada de quem ela era há 13 bilhões de anos.

E, para algumas galáxias, nunca tivemos a chance de observar. Já estão, desde que se formaram, fora do nosso universo observável. O que significa que não podemos ver ou ter contato com elas.

Tenho certeza de que não é o que você queria ler (sinto aqui uma ‘vibe’ do tipo “fantasmas” ao nosso redor, convivendo com a gente em outro plano dimensional sobreposto), mas é uma resposta que confirma a letra do que você perguntou, ainda que não o espirito ? (nota do autor: não fantasmas, mas formas de vida inorgânica).

Não posso pensar que, se podem existir universos que não vemos, em tese esses universos também podem ter formas de vida inorgânicas que não vemos?

Salvador – Você tem o direito de pensar o que quiser (ainda). Mas, o que seriam formas de vida inorgânicas?

De novo, vamos lá, orgânico se refere à química do carbono, e o carbono é, disparado, o melhor elemento da tabela periódica para formar moléculas altamente complexas.

Além disso, é um dos elementos mais abundantes deste nosso universo.

Então, pelo menos neste universo, a vida fez a aposta certa.

Você nem estaria me fazendo essas perguntas não fossem todos esses neurotransmissores complicados baseados em carbono fluindo pelo seu cérebro.

Não há outro elemento conhecido capaz de fazer o que o carbono faz.

Um segundo colocado distante seria o silício (e por isso a ficção científica explora tanto o lance de vida de silício, que seria inorgânica).

Mas ainda assim é uma ideia muito especulativa. A única química que reconhecidamente pode produzir vida, até onde sabemos, é a do carbono.

Fala-se hoje em dia em “biosferas-sombras”, a ideia de que poderia haver processos químicos vivos tão bizarros e diferentes dos nossos que, apesar de estarem vivos, ninguém reconhece como tal.

Num argumento que se autoderrota, essa característica faz com que ninguém tenha encontrado qualquer candidata a forma de vida “sombra”.

Agora, podemos imaginar outros universos com outras leis físicas e outros elementos químicos? Sim, aí vale tudo.

Uma das imagens fascinantes do Hubble

Não sabemos por que as propriedades do nosso universo são exatamente essas, que favorecem a formação de estrelas, planetas, cachorros e humanos, e sabemos que, se elas fossem um pouco diferentes do que são, já poderiam inviabilizar a existência de tudo isso.

O resultado seria, até onde sabemos, universos muito mais sem-graça.

Mas, isso até onde sabemos, que é bem pouco. Então, se quiser brincar aqui, vale tudo.

Mas de novo, como diria Ray Parker Jr., ain’t affraid no ghost?

Já li alguma coisa sobre a fóvea, região do olho que entendi mais ou menos o “transmissor” ou “resumidor” de imagens para o cérebro. “Segundo” essa fóvea, o que nós olhamos, o que vemos como realidade, esse mundo material aqui, é apenas uma, digamos, descrição rápida. Seria um resumo visual que permite a nós, organismos, percebermos, mas nada em definitivo e nem integralmente. A gente só vê uma minúscula fração da realidade integral quando está de olho aberto, não é isso?

Salvador – Sim, isso é totalmente verdadeiro. O que temos é uma percepção grosseira (moldada pela seleção natural) do mundo, útil para a sobrevivência, mas muito aquém do que existe.

E além de tudo totalmente arbitrária. Não é preciso ir longe. Pegue os daltônicos. Eles percebem cores diferentemente de outras pessoas.

E sabemos que tem um ponto cego bem no meio do olho, que o cérebro “apaga” em pós-processamento, para dar a impressão de que temos uma visão completa.

E a nossa “visão completa” é na verdade a combinação de duas imagens esteroscópicas, uma de cada olho.

E falhas de percepção são tão comuns que há toneladas de memes de internet com ilusões de óptica divertidas, que são basicamente imagens que seu cérebro não consegue processar direito.

Então, sim, temos uma visão muito imperfeita e limitada do mundo, restrita a uma faixa estreitíssima de todo o espectro eletromagnético.

Claro, nossa visão é melhor nas frequências de luz que brilham com mais intensidade através de nossa atmosfera, o que parece, evolutivamente, razoável.

Que adiantaria enxergar raios gama, se a atmosfera filtra e não chegam até nós? E aí é que entra a importância de ser uma civilização tecnológica.

Podemos construir telescópios espaciais de raios gama, podemos construir filtros para detectar ultravioleta, infravermelho, rádio…

Então, nossos instrumentos nos dão uma visão muito mais completa do universo do que nossos sentidos. E eles dependem menos de uma máquina fantástica, mas em geral pouco confiável, para fazer o processamento: o cérebro.

Coisa mais fácil enganar o cérebro… mas um detector de raios gama, esse é difícil de enganar.

A tal matéria escura no universo existe de fato ou é só uma teoria abstrata?

Salvador – Vamos lá. Primeiro separar duas coisas que, pelo nome, costumam ser confundidas, mas são bem diferentes.

Uma é a matéria escura, e outra é a energia escura.

A primeira é um tipo de matéria cujos únicos efeitos mensuráveis são gravitacionais. Ou seja, ela teria massa, mas não interagiria por meio das outras forças da natureza, das quais a mais familiar é a força eletromagnética, cuja portadora é a luz.

Ou seja, é matéria que está lá, mas não pode ser vista, porque não interage com a luz. Outra coisa é a energia escura, que é o nome que se dá a uma força de natureza ainda desconhecida que parece ser responsável pela aceleração da expansão do Universo.

Sabemos desde os anos 1930 que ele está em expansão, mas a expectativa é que essa expansão estivesse freando, conforme a gravidade de todas as galáxias as atrai mutuamente, tentando puxá-las umas na direção das outras.

No entanto, estudos recentes a partir de 1998 encontraram evidências convincentes de que a expansão, contrariamente às expectativas, está se acelerando –como se houvesse alguma força que age na contramão da gravidade, fazendo com que as galáxias se afastem mais e mais.

A essa força, por falta de uma compreensão do que ela é, se dá o nome de energia escura. Depois desse preâmbulo, sinto-me à vontade para responder.

Tudo indica que exista, mas a ciência exige corroboração experimental extensa antes que se possa afirmar com toda precisão.

O que temos são um conjunto de fenômenos em que parece haver muito mais gravidade envolvida do que a que seria produzida por objetos visíveis, e o que gera gravidade é matéria.

Então a orla das galáxias gira mais rápido do que giraria se toda a matéria por lá fosse a visível; há galáxias que distorcem a passagem de raios de luz por lente gravitacional de forma muito mais aguda do que a esperada com base em sua luminosidade; há inclusive um caso muito estudado, o Aglomerado da Bala, em que uma colisão de dois aglomerados de galáxias parece ter separado de forma clara a matéria visível e a invisível…


Todas essas observações oferecem apenas duas respostas: ou há de fato matéria invisível não contabilizada aos montes por aí, ou as nossas equações para descrever a gravidade estão erradas.

Só que essas equações (as famosas equações da campo da teoria da relatividade geral) foram testadas e retestadas nas mais diferentes circunstâncias nos últimos cem anos e relutam em serem reescritas.

Tudo leva a crer que a matéria escura existe mesmo. E cabe aqui um adendo: nem seria uma coisa do naipe Sobrenatural de Almeida.

A rigor, os neutrinos são partículas que têm massa (descoberta relativamente recente) e também não interagem com a luz, então há precedentes para novas partículas do tipo requerido para explicar a matéria escura.

Segue o jogo na caça a essas partículas, no LHC e em estudos de raios cósmicos (que aceleram partículas com muito mais potência que qualquer acelerador que possamos fabricar na Terra).

A natureza exata da matéria escura segue desconhecida, mas há 40 anos de evidências que apontam para sua existência.

Li que desde a ‘descoberta’ dela, a energia escura está aumentando, pois continua em expansão numa velocidade muito maior que a formação de planetas e estrelas etc. Li que teria já passado de 80%. É verdade/possível? E se chegar a 100%

Salvador – Este é o motivo pelo qual fiz a distinção entre matéria e energia escuras.

O que parece estar aumentando é a quantidade de energia escura.

Com efeito, a melhor hipótese que temos para explicar a energia escura é que ela é a energia do próprio vácuo (algo que a mecânica quântica mostra conclusivamente que exista, embora ninguém ainda tenha conseguido emparelhar a quantidade de energia esperada pela teoria com as observações da quantidade esperada de energia escura com base em observações astronômicas).

Nesse sentido, não é difícil entender como o Universo vai ganhando cada vez mais energia escura — ele está em expansão, o que significa dizer que está ganhando mais vácuo a cada instante.

Mais vácuo, mais energia escura. A essa altura, com a aceleração da expansão, já podemos dizer que a energia escura é a força dominante no Universo.

Ela ganha da gravidade e ganha da soma de toda a energia que haveria se convertêssemos tudo que existe em energia.

Daí a noção de que, se tudo continuar como está, o Universo tende a se expandir para sempre, e cada vez de forma mais acelerada, diluindo cada vez mais seu conteúdo rumo ao que o pessoal chama de “morte térmica” do Universo.

Então não é que a matéria está acabando; ela está se tornando cada vez menos representativa do conteúdo total do cosmos.

Lá atrás, logo após o Big Bang, ela era dominante –tanto que os estudos de cosmologia sugerem que a expansão de fato começou freando por uns 8 bilhões de anos, e só então a energia escura começou a dominar e a retomar a acelerada da expansão (hoje estamos com 13,8 bilhões de anos desde o Big Bang).

A tendência, caso se confirme esse lance de que a energia escura é mesmo a energia do vácuo, é que a expansão continue acelerando e a energia escura responda por um percentual cada vez maior do conteúdo do Universo. (Hoje é uns 70%, mais ou menos).

Voltando ao computador quântico do Google e ao colisor de partículas na Europa. No caso do primeiro li que há “trocentos mil” resfriadores nesse computador que trabalham com temperaturas perto do zero absoluto (-273,15 ºC). No segundo caso, estamos mexendo com uma quantidade de energia que beira o inacreditável. Quais seriam os riscos e consequências (teóricas) de um acidente –tipo uma explosão–, com o primeiro e com o segundo? Alguém tá pensando nisso?

Salvador – São experimentos bem, bem, bem seguros.

Lembro do pavor à época em que inauguraram o LHC, dizendo que podiam criar um buraco negro artificial que ia engolir a Terra, ou coisa do tipo.

Eles gastam bastante energia, sem dúvida, mas guardadas as devidas proporções e de maneiras que não oferecem muitos riscos.

O grande colisor de hádrons (CERN)
O grande colisor de hádrons

E, sim, todos os físicos que querem fazer experimentos assim precisam investigar a segurança de seus arranjos experimentais.

Você gasta uma energia do caramba para manter um equipamento superresfriado (para manter suas propriedades supercondutoras), mas no fim promove eventos de pequena monta.

As colisões de prótons do LHC são de 7 tera-eletronvolts. Soa grande, mas equivale a 1,12 microjoule. 1 joule é a energia para acelerar 1 kg a 1 m/s^2 num espaço de 1 m. E 1 microjoule é um milionésimo disso.

Ou seja, é muita energia para uma colisão relativamente modesta, no fim.

Desnecessário dizer que raios cósmicos atingem a Terra com muito mais energia e não causaram nenhuma hecatombe.

Você pode ter acidentes, digamos, industriais nessas instalações.

Um vazamento, um cano que rompe etc. Mas nada que ameace a civilização.

Só resulta em prejuízo material, no mais das vezes sem vítimas humanas (ninguém fica nos túneis do LHC quando ele está em operação, e ele só é resfriado e gasta essa energia toda quando está ligado).

Então, minha resposta é disso é tão perigoso, quanto, por exemplo, um foguete para voo espacial. Pode causar problemas, mas não o fim do mundo.

Última pergunta: Salvador, você já viu alguma coisa inexplicável na vida? Quero dizer, você há anos vem escrevendo sobre a natureza, o universo, eu queria saber: você já presenciou algum fenômeno inexplicável ou perturbador na sua vida?

Salvador – Olha, claro que coisas esquisitas acontecem de vez em quando, que fazem a gente se perguntar.

Não me lembro de nenhum episódio em particular, até porque, como eu disse, eu lido bem com o imponderável, aceito que mistérios, se existirem, possam permanecer misteriosos sem que eu tenha de achar algo a respeito e sou muito ciente da falibilidade do nosso sistema de percepção e interpretação do mundo.

Em incontáveis vezes, diante de um escanteio ou uma falta, tenho a sensação de que vai sair o gol. Em muitas vezes, não acontece. Em algumas, acontece.

Mas interpreto como “um cérebro treinado para antecipar consequências em favor da sobrevivência” gerando circunstâncias perceptuais em domínios para os quais a evolução não o preparou.

Em suma: tendo a duvidar de experiências e sensações que não fazem sentido para mim, e como aceito bem minha falibilidade, isso despe o mistério.

Então não tenho nenhum episódio particularmente intrigante para te contar. O que pode parecer que vejo a vida como uma coisa bem sem graça. Mas é justamente o contrário.

Acho que a coisa mais inexplicável é a própria vida.

É realmente algo extremamente peculiar que um arranjo de moléculas aprenda a se replicar, passe por 4 bilhões de anos de evolução darwiniana até produzir criaturas cujo sistema nervoso central seja capaz de criar a incrível sensação de autopercepção.

E aí surgem criaturas como nós, perguntando qual é o sentido de tudo isso.

Acho que Neil deGrasse-Tyson está certo quando diz que o universo não tem obrigação de fazer sentido para ninguém.

Mas a gente tem o impulso incontrolável de tentar fazer sentido da vida e do universo. Coloque na conta da nossa evolução.

Mas fato é que, em uma vida desprovida de um sentido dado por uma instância superior ou por uma dimensão paralela ou pelo que quer que você coloque aqui, temos de nós mesmos de dar algum sentido a ela.

Essa nossa existência tão efêmera, umas poucas décadas, num universo de bilhões de anos, que talvez esconda uma natureza fundamental em que espaço e tempo sequer são algo a ser considerado.

Estamos aqui, somos capazes de experimentar sentimentos sublimes e contemplar o maior mistério de todos, que é o mistério da existência. Uau. É bastante.

E, embora eu saiba que me faltam muitas respostas, e tantas outras nem são para o meu bico, já me sinto super grato por ter tido a chance de vivenciar essa experiência singular por quatro décadas e contando.

É legal demais estar vivo, seja lá o que isso significa. Nossa, fui longe. Obrigado pelas perguntas desafiadoras.

Desafio mesmo será digerir as respostas e chegar até aqui ?

Conheça o excelente conteúdo do site Ooops

Assista à entrevista de Salvador Nogueira ao Jô (2006)

2 respostas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *